quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

11/8/2005 10:17:12 PM

CLICRBS

8/11/2005



MINHA FEIRA

Texto sobre a Feira do Livro de Porto Alegre

Pintura de Chagall



Fabrício Carpinejar





Minha feira inesquecível? Todas são é uma resposta genérica, que não deixa de ser verdade. Poderia citar a do meu primeiro livro autografado, a ansiedade da sessão de autógrafos (será que vai aparecer gente?), o suor frio, a comoção ao reparar na fila enorme. Poderia mencionar minha primeira palestra, na qual gritei, apesar do microfone, para espantar o medo e o nervosismo e deixei o público surdo. Poderia lembrar da primeira vez em que fui reconhecido na Praça da Alfândega como escritor e assinei dedicatórias e dedicação. Mas ainda assim seria vaidade. A melhor feira, no duro, é a que fui namorando. Nem era autor publicado. É comum pensar no livro como um ato solidário e até egoísta. Mas as leituras que perduram são as casadas, na cama ou no café, na mesa do almoço ou no banco de pedra. Ler junto, as respirações enredadas, e esperar que o outro termine para virar a folha. Como não se comover? Voltar atrás e ler uma frase sussurrada. Comentar, discutir e flutuar os olhos como se o corpo todo fosse um marcador de página. Ler acompanhado é comer negrinho de colher na panela, raspar o fundo. Estava solteiro em minhas primeiras feiras. Não procurava o Rio Guaíba, vivia mexendo nos saldos. Voltava para casa cedo. Em 1996, namorando, encontrei a atmosfera ideal. Chegar quase no final, antes da sineta, com as barracas levemente iluminadas, o cansaço bom de mãos dadas. Circular entre as mesas apinhadas de obras e ter alguém ao lado para dizer: "olha, o que eu achei!", "que preço bom", "este, já li, devia ler". Ter alguém para testemunhar a alegria e dividir as surpresas das unhas. Ter alguém para não esquecer a vida na estante.

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