quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

11/8/2005 04:10:20 PM

SUPERCOLUNA


O Consultório Poético está com nova dúvida amorosa. Reproduzo abaixo. O texto está no site da Superinteressante.


AMOR É AMIGO DA PAZ?

Pintura de Paul Klee


Por Fabrício Carpinejar






"Estou com uma dúvida daquelas bem cruéis, que enfiam a faca no estômago e torcem até a gente gritar de dor.

É que eu sempre fui uma moça de relacionamentos românticos, intensos, apaixonados... E doloridos. Amava até me esgotar, e quando me esgotava, assistia ao outro ir embora sem ter mais o que levar de mim. Enquanto estava com a pessoa, me sentia completa, total, realizada, uma felicidade imensa. Sem a pessoa, me sentia só um pedaço. Mares turbulentos e agitados.

Recentemente, conheci um rapaz. Cheio de problemas com ele mesmo, mas nosso relacionamento é um lago calmo, sereno. Gosto dele, da companhia dele, e ele gosta de mim. Somos assumidamente namorados. Tudo sempre está bem e harmônico, como uma blusa branca combina com uma calça preta. Mas olha, de vez em quando me vem uma sensação de inadequação terrível. Não sinto paixão. Não sinto dependência. Não sinto aquela coisa maravilhosa que os amantes sentem quando encontram seus amados. Sinto apenas a paz de "está tudo certo".

Aí fico sem saber o que é o amor. Se é aquela torrente de paixões, quente e incinerante... Ou esse sentimento de amizade profunda. Ouço defensores dos dois lados, mas queria saber a sua opinião... Me diz - o amor é mesmo tão amigo da paz?"



O que a incomoda é que sua vida anda normal demais. Secretamente, desejamos enlouquecer. Sente falta justamente de ser surpreendida. O amor é tudo menos um animal domesticado. Um animal da rotina. O que pode estar experimentando é um estado exuberante de amizade, de companheirismo, de lealdade. Mas amor não; é um bicho que incomoda, que morde e faz a gente perder a cabeça e se viciar no cheiro. O amor começa com paixão e depois se acalma até voltar na primeira briga. No verdadeiro amor, a paixão nunca morre e sempre dá a letra. Amor não é para se sentir toda hora por qualquer um. Amor é um estado de exceção, pouco civilizado e de raros amigos. Pode ser confundido com carência ou conforto. Pode ser confundido até com cumplicidade, que não é a mesma coisa. Empatia e identificação geram conversa, amor é a falta de conversa, porque a conversa não basta. Fica-se com vontade - desculpe a dramaticidade - de engolir a pessoa.


Percebo que tem um controle monótono, uma segurança como se nenhum do dois pudesse fazer mal ao outro. Exercer tudo igual enjoa. A possibilidade de ser tudo igual no futuro mata o presente. Gostar da companhia ainda é insuficiente, o que não significa que não seja o que precisa no momento. Talvez seja a época de amaino, do descanso da terra, de ajeitar as verdades.


Quando se ama, as atitudes não são planejadas, não há tempo de ensaio. O susto aumenta o riso. Difícil conter o ciúme, a possessão, a posse - a escala cardíaca do sentimento. Não se ver envaidecida, confiante, bonita, sensual, pronta para qualquer desafio. No amor, se busca o desajuste, a provocação, o amadurecimento das diferenças. Cria-se um dialeto dentro do idioma, em que somente os dois entenderão. O amor não é o que é dito por aí: uma amizade pacificada. O amor é uma paixão atenta, ouvindo, pronta para o bote. Uma paixão indomável.


É fácil ficar em casa com chuva, difícil é ficar com o sol lá fora. Ficar em casa com sol lá fora só com muito amor dentro.


Pode mandar cartas com suas dúvidas de relacionamento. Tentarei responder aqui ao longo da semana.

E-mail: carpinejar@terra.com.br

Site: http://www.carpinejar.com.br



Fabrício Carpinejar, poeta e jornalista, 33 anos, quando sério é engraçado, quando engraçado é sério. Deu certo porque aconteceu tudo errado. Tem pés chatos, nariz torto e acorda a mulher de madrugada para discutir o relacionamento. É um homem com defeito de fábrica: adora lojas. Falava errado até os oito anos. Sua fonoaudióloga receitou que usasse bico enquanto seus colegas ostentavam aparelho. Preferiu falar errado. Todo mundo dizia que poeta é sofredor e romântico, não conseguiu convencer ninguém do contrário e aderiu ao lado mais forte. É, portanto, sofredor e romântico. Acredita que até para sofrer tem que ter estilo. Não se sofre de qualquer jeito. Aprendeu a fazer mapa astral, mas teve que devolver o livro para a biblioteca e não interpretou o big-bang pessoal.

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