quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

11/7/2005 12:07:54 AM

TE PEGO NA SAÍDA

Pintura de Kandinsky


Fabrício Carpinejar





No colégio, não provocava nenhum amigo. Longe de mim brigar. Franzino e cabeludo como espiga verde. Queria distância de discussão, engolia a seco comprimidos e desaforos. Não chamava atenção da professora e nem do ódio. Evitava sentar na frente da sala como um CDF ou no fundo como um rebelde. Flutuava no miolo das classes entre os extremos.


Mas um dia, distraído do medo, respondi a um colega que derrubou minha merenda. Gritei "idiota" tão alto que deve ter balançando o lustre. Finalzinho do recreio e a turma inteira me ouviu. Ele era forte o suficiente na época para fazer tatuagem no braço e sobrar pelanca, o que não era pouco para seus doze anos. A sentença veio na hora: "eu te pego na saída".


Pegar na saída representava luta livre no final, fora dos muros da escola, sem diretora para apartar. Não havia jeito de escapar. O colégio inteiro passou telefone sem fio, a avisar que teria surra antes do almoço. Uma euforia descomunal tomou conta do entorno. Ringue de escola pública não cobrava ingresso, cobrava palavra de honra. Entrei na sala como um homem morto, a atravessar um dos períodos mais longos de minha desajeitada vida. Respirava fundo, recebia bilhetes de quem torcia por mim e recados de que seria espancado por outros pouco simpatizantes. O pior é que a escola oferecia um único acesso, o que facilitava emparedar as vítimas. Ou se pulava o muro de dez metros ou inchava o rosto com hematomas.


A aula de matemática nunca foi tão boa. Prestava atenção e não desejava que terminasse. Fiz perguntas, fui ao quadro negro, o que destoava do laconismo do ano. Roí cada minuto que passava no cebolão verde do pulso. Vontade de chorar pelos ouvidos. Eu me sentia importante, observado, a maioria me tratava com reverência da piedade. O sinal soou e fui o último a deixar o corredor. Caminhei lento com os cadarços desamarrados, com a cintura desamarrada, com a mochila pesada dos livros que ainda não havia escrito. Os urros me anteciparam. O adversário me aguardava na praça. Nem esperou minha fala e me acertou a barriga. E acertou meu queixo. E acertou meu rosto. Os estalos se prolongaram com rapidez, deixei de contar os solavancos e levantava os braços para não me afogar. O sangue surgia na boca como uma lesma no muro. Até que uma menina se postou em minha frente. Permaneceu de costas para o agressor, vulnerável, a me proteger como um escudo. Ele parou. Não sei como a multidão se dispersou. Os dois sozinhos: eu soluçando, ela remando calma em meus braços. Ela me abraçava, os cabelos como ervas se despedindo da manhã. Sujei sua camisa branca e ela não se importou. Senti seus pequenos seios naquela hora contra o meu peito. Eles se mexiam mais do que as minhas feridas.


Hoje eu me espero na saída. Minha covardia me encoraja.

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