quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

11/6/2005 05:24:54 PM

LELÉ

Gravura de Marcia Tiburi e Fernando Chui


Fabrício Carpinejar





Não dormia com ursos e bonecos na infância, dormia com um pano sujo chamado Lelé. Quanto mais imundo, melhor. Ficava com cheiro de gente. Não o largava, levava pelo pátio como uma pipa envergonhada. Não aceitava que lavasse o pano - precisava exalar o cheiro usado da vida, o suor das árvores, o fedor dos muros quando nasce o musgo. Um dia a mãe lavou o pano e não dormi de noite. Acordado em protesto. Acredito que o Lelé é a minha solidão. O bafo do quarto. O garfo da respiração. Desde lá é a minha solidão. Dei nome a minha solidão. Estou perdendo minha solidão. Não fico mais em casa. Corro de uma palestra a outra. Não termino uma conversa. Cumprimento e logo sou obrigado a mudar de assunto. Não é arrogância, não é prepotência, não me acho o máximo, nem me sinto bonito, é só falta de minha solidão.

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