quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

1/14/2006 06:43:53 PM

Folha de São Paulo, Folhinha, 14/01/06:


MINHA PRIMEIRA VEZ

Pintura de Paul Klee


Fabrício Carpinejar





Não fui homem no momento

em que o rosto enrugou em barba.

Ou quando me alistei para servir.

Ou no primeiro beijo de boca.

Ou na primeira morte de um familiar.


Fui eleito homem aos nove anos,

chamado no corredor do nome

entre panelas na parede

e chapéus no cabide.

Meu vô me passou o facão e disse

para correr atrás da galinha ruiva.

Tentei agarrá-la

mas seus olhos ciscaram o vento.

As patas das asas agarraram o vento.

Ela escapou dos braços

e voou até o telhado.

Fiquei esperando ela descer.


A galinha se fez telha,

preenchendo as goteiras.

A galinha se transformou

em balde sem alça.

Um bule voadro.

Fiquei esperando ela descer.


As calhas acumularam chuvas

com a ninhada de ovos.

Os canos estouraram.

Estou esperando ela descer.


Tudo o que não enxergo

é relâmpago.

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