quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

1/13/2006 03:19:21 PM

POESIA COM PIMENTA

por Fernanda Garrafiel


Fotos Renata Stoduto/Divulgação

Entrevista no Café Literário do Jornal do Brasil

Rio de Janeiro (RJ), 13 de janeiro/2006





A professora de alfabetização de Fabrício Carpinejar, que quase desistiu do aluno que só tirava D nos ditados, deve olhar com orgulho o rol de prêmios que o poeta conquistou. "Eu chorava em cima do telhado de casa. Um dia o papel secou e comecei a entender as palavras. Até hoje não sei se elas me escutam." conta Fabrício em sua "Biografia de um poeta com a intromissão do autor", publicada em seu site. Aos 33 anos, este gaúcho de Caxias do Sul é autor de sete livros, todos de poesia. Seu primeiro livro de crônicas, O Amor Esquece de Começar, será lançado durante a Bienal do Livro de São Paulo, em março. "Vou começar 2006 todo prosa.", diz Fabrício. O autor também escreve para revistas como a Superinteressante, na qual tem um Consultório poético, onde responde às aflições de seus leitores.


Na internet, através de seu blog, podemos acompanhar a prosa de Carpinejar. Prosa poética, ou melhor, simplesmente poesia escrita em linha contínua. Nas palavras de Fabrício, o cotidiano ganha ares de obra de arte. Talvez por isso uma pintura preceda cada crônica. Nenhuma frase é desperdiçada, formando um conjunto carregado de sentido e sentimentos, onde até as entrelinhas gritam.


Não é só com o texto que o autor conquista. Carpinejar interpreta suas poesias com a mesma voracidade com que escreve. Enquanto passeia entre os ouvintes declamando seu texto com propriedade, hipnotiza com a mesma facilidade que tem para enredar o leitor em seu inteligente jogo de palavras. Um casamento perfeito entre forma e conteúdo. O poeta descobriu que pode enfeitiçar com palavras e abusa deste poder.


Foi vendo Fabrício Carpinejar declamar que me interessei por sua poesia. Depois cheguei ao site e daí ao escritor, que concedeu ao Café Literário uma ótima entrevista. Conheça um pouco do autor através das linhas a seguir, depois desvende o poeta, desbravando sua obra.


Seus livros são de poesia, mas no seu site o leitor acesso a crônicas, e até um consultório sentimental. Você reserva a poesia para os livros por achá-la um gênero maior?

Não, a poesia é minha forma de pensar mais do que um gênero. Tanto faz a forma que apareça, seja em crônicas, seja em versos, seja em contos. Deve ser um defeito de fábrica. Não me curei da minha solidão de infância e vivo procurando fazer amizades com as palavras. Quando pequeno, recortei o dicionário Aurélio de meu pai. Costumava unir palavras distantes no dicionário, pois pensava que elas nunca iriam se conhecer. Era um cupido da linguagem. O que publico no site não é menos literatura por não estar encadernado. É minha fome diária, minha ânsia de compreensão. Procuro, em todos os casos, uma sensibilidade comunicativa, interativa, que possa ouvir o outro antes de falar.


Qual a diferença de escrever um poema e escrever o consultório sentimental da Superinteressante?

Existe diferença de intensidade. No poema, sou bem mais concentrado, mais orgânico, sou capaz de produzir choque. Fico ruminando como um sonâmbulo cada letra e sonoridade. É uma obsessão pelo enredo, pela cadência, pela frase imprescindível. Afora isso, não há nada que separe da produção do Consultório. É diálogo igual, conversa simples de quem procura um amor ao abrir um guarda-chuva. Respondo correspondências de leitores com dúvidas de relacionamento, sem hierarquia. Estou na mesma posição deles. Com o mesmo medo. Não sou melhor nem pior, não há a solenidade de um diploma de médico ou de psicólogo para a separação de um balcão. Tento ajudar a partir de minha experiência. Tenho duas mãos de propósito, para escrever com uma e acalmar o leitor com a outra.


Você tem rituais para escrever?

Meu único ritual é andar de trem. É onde mais me inspiro. Faço cabra-cega com a vida dos passageiros, procurando adivinhar seus destinos, suas vidas, suas relações. Minhas janelas são os botões dos casacos.


No seu blog, antes de cada texto podemos contemplar uma obra de arte. Qual a sua relação com a arte? Qual a relação da arte com seus escritos?

Toda. Sou um pintor leigo. Fazia montagens até os 20 anos. Ainda guardo alguns dos meus trabalhos. Nunca mostrei para ninguém por timidez (ou bom senso). Quase optei por artes plásticas, ao invés de literatura. Em escultura, Giacometti é um dos meus preferidos, pela solidão de seus viventes. Em pintura, Iberê Camargo me ensinou a mexer na cor como se fosse terra. Seus ciclistas são carretéis adultos. Alegro-me com a possibilidade de aprofundar o texto com uma imagem, provocar caminhos diferentes de leitura. Uma imagem não completa o que escrevo, me enfrenta, se opõe.


Tive a oportunidade de vê-lo interpretar uma de suas poesias. Se tivesse lido e não ouvido a poesia, lhe daria um outro tom, e talvez outra interpretação. Você acha que a poesia precisa de suporte interpretativo?

Um verso ou uma crônica traz várias possibilidades de entonação - essa é a magia. Se estou triste, vou ler diferente. Quando entusiasmado, posso modular mais aberto e ser mais gesticulado. O sentimento da hora influencia o ponteiro da boca. A leitura depende da eletricidade que existe entre o escritor e o público. Não pretendo sentenciar uma maneira de leitura. Depois que o livro é publicado, o texto já não é mais meu. O autor não deve virar um zelador de cemitério, controlando se seu morto saiu da cova ou não. Quero que mudem minha obra mais do que eu fui capaz.

Acho que a poesia pode ganhar com a dramaticidade, com a linguagem cênica. Ela nasceu para a oralidade, para ser reclamada mais do que declamada. Não conheço amor que não seja apressado e procure o atalho da insolência. Eu me ofendo todo dia de amor. Quem eu amo ofendo de amor.


O sulista é tido como bairrista. Qual a diferença da receptividade à sua obra no Sul e em outras regiões? Você se preocupa em divulgar seu trabalho fora do Rio Grande do Sul?

Eu me preocupo em escrever meu trabalho, a divulgação é conseqüência. Sou um escritor brasileiro e me disponho contra qualquer brincadeira separatista. É óbvio que a repercussão do meu trabalho é bem maior no RS, é onde sempre estou atuando com palestras, saraus e eventos. Por exemplo, fiquei sabendo que fui questão do vestibular da UFRGS. Graças a Deus que não sou candidato, corria o risco de errar.


O Rio Grande é bairrista, porque ele parece se defender do Brasil. É um estado que se defende do próprio país. Nascemos aqui com uma paranóia mansa. Nosso principal adversário é a ausência de adversário. Um dia descobriremos que ninguém nos persegue. O importante é que essa paranóia nos faz acelerar o passo e correr mais do que faríamos normalmente.



Podemos esperar um romance de Fabrício Carpinejar?

Usei toda a minha biografia, todas as memórias emprestadas, inventadas e imaginadas, na poesia e na crônica. Sou perdulário demais para me reunir em um romance. Gasto fiado em poemas.


PERFIL LITERÁRIO


Qual o melhor lugar para ler?

Deitado no colo de minha mulher. Ou de pés dados com ela na cama.


Qual o primeiro livro que você leu? Ou o primeiro livro que marcou?

Divina Comédia. Não entendi nada, as gravuras complicavam mais ainda a leitura dos versos. Tive pesadelos na infância com os castigos do inferno.


Que livro você está lendo no momento?

Umidade, de Reinaldo Moraes


Qual o seu gênero literário favorito?

Poesia


Qual o melhor livro que leu?

Amers ou Anábase, de Saint-John Perse. Um Rimbaud que traficava pássaros entre um oceano e outro.


Qual o seu personagem favorito?

Macabéia, de A Hora da Estrela, Clarice Lispector. Quero morrer como ela, abraçado na esperança.


Jamais leria?

Livros para emagrecimento. Sou um faquir.


INDICAÇÕES DE LEITURA:


Para ler no banheiro:

Revistas. Para problemas no estômago: Dicas Úteis para uma Vida Fútil (manual para a maldita raça humana), de Mark Twain. Para gozar: Catecismo de Devoções, Intimidades + Pornografia, de Xico Sá, lançado pela Editora do Bispo.


Para ler no avião:

Joana a Contragosto, de Marcelo Mirisola. De preferência na ponte aérea Rio - São Paulo


Para ler no café:

Dias Raros, de João Anzanello Carrascoza


Para dar de presente. Para quem?

Obra Completa de Mario Quintana, lançamento da Nova Aguilar. Para Ana Miranda. Meu jeito de envelopar o minuano.


Melhor livro que escreveu:

O próximo


Livro que mais gostou de escrever:

O Amor Esquece de Começar, sempre o mais recente


Agora está escrevendo:

Meu filho, minha filha, conversa em versos de um pai com seus filhos (um mora com ele, fruto do segundo casamento, e o outro, fruto do primeiro casamento, vive em outra cidade com a mãe). Quero mostrar as duas experiências paternas e debater a nova estrutura da família brasileira.



A POESIA DE FABRÍCIO CARPINEJAR


Nos longos períodos sozinha em casa,

passavas café, logo tu

que não gostavas de café.

O cheiro de café

diminuía tua solidão.


* * *


Arredondo os preços por baixo,

para não causar atrito

e inveja.

Me vendi por menos,

me comprei por mais.


* * *


Penso ter vivido o que escrevi

e deixo de viver porque está escrito.

Minha letra não torna meu

aquilo que anotei.


Fonte: "Como no céu/Livro de Visitas" (Bertrand Brasil, 2005)

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