quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

11/28/2004 11:47:34 AM

MANICURE

Da série Mulheres

Desenho de Mariana


Fabrício Carpinejar




As mãos da manicure são sapatos cômodos. A manicure é melhor do que um marido: opina sempre a favor, não discorda e nem preciso explicar o começo da história, principalmente porque a minha personagem predileta nunca aparece na história. O salão é como um armário de cores: 150 opções de esmalte, afora as misturas e as estantes do invisível. A manicure é a única mulher que tem unhas horríveis, em função da acetona. Ela se sacrifica em meu lugar - é comum reclamar das dificuldades de visão e dor nas costas - não importa quem está me atendendo. Os dedos se tornam pratos com muito verde e vermelho nas bordas. Só como salada para enfeitar o prato. Não é porque gosto - é questão de estilo. Enquanto a manicure limpa o esmalte, corta e lixa as unhas, vou me esvaziando. Ali falo o que não preciso. É tão monótono falar por necessidade. Assim como gastar para ficar com algo. Gasto para não ter feito nada. Na vida, até os erros involuntários são essenciais. Portanto, não adianta escolher o que vai permanecer. Percebo que as alegrias não combinam com a pressa. Não dou corda ao dia para ele não se enforcar. Desligo a defesa e as advertências. A infância mais acontece quando termina. Coloco as mãos de molho e sinto-me diante de uma cartomante. Enxergo o futuro como se não fosse acontecer. Liberto-me da vaidade de decidir. Não quero duvidar para decidir depois, duvido pelo prazer de não chegar. Aos poucos, ela empurra a cutícula com a espátula e empurro meus problemas com a espátula, ela retira a cutícula e eu retiro os problemas, ela passa a base e eu refaço a minha base, ela pinta e eu estendo o braço no escuro. Volto para casa disposta a conversar com estranhos.

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