quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

11/22/2006 10:18:16 AM

LANCHERIA CAFÉ DA MANHÃ

Pintura de Emil Nolde


Fabrício Carpinejar





Quando não tenho respostas, escuto o mundo. Pelas grades, cheiro as flores do vizinho, que prefere papoulas às rosas. Fico levemente irritado: as papoulas roubaram o cheiro de meu capote.


Vou comprar frutas, mais lento. Tenho dó das que estão estragadas e pisadas no fundo. Por pouco, que não me junto a elas. Presto atenção às palavras do cobrador de ônibus, como se ele fosse uma mensageiro involuntário. Estou sempre esperando uma senha, um símbolo, um conselho. Algo de fora que me esclarecesse. Ando dependente de um aviso. Vejo o quanto ainda acredito em anjos, fantasmas, árvores.


Qualquer aparição faz sentido: um cão estranho lambendo minha mão, um gato olhando para trás na linha dos muros, um pássaro que atravessa as janelas de casa por dentro.


Os olhos se embaralham em cartas de tarô. Fio-me na adivinhação e leitura das coisas pelas coisas. Toda pessoa que encontro na rua torna-se minha visita - nem preciso atender o interfone. Estou me aguardando em cada desencontro.


Ao me entristecer, unicamente um lugar me conforta. Não é a residência materna, como era de se esperar. É o boteco Café da Manhã, que não muda seu cardápio desde 1979. Uma pastelaria localizada na lomba da rua Riachuelo. Sento de frente ao balcão. Nada de mesas, nada de observar as calçadas no mesmo nível. Cadeira alta, dura, perto do fervor da cozinha e da movimentação dos atendentes. Sou um solitário acompanhado. Um solitário acompanhado de solitários em fila indiana. Na maioria dos dias, chovendo ou não, vejo-me como um guarda-chuva. É fácil confundir um guarda-chuva com outro guarda-chuva. Ali não!: sou um chapéu que não perde a forma e não se mistura com os demais nos ganchos.


Peço um pastel e um suco de morango. Meus cotovelos são os pratos. A cozinheira avisa que vai fritar um novo para mim. Respondo: é isso que preciso. Ela limpa o sorriso no avental.


Meu pai me apresentou o cantinho, espremido entre duas livrarias, e não deixei de freqüentar. É minha igreja, meu confessionário. Estou em paz - prevejo o que acontecerá nos próximos minutos. O suco não vem medido e contado. Recebo o copo inteiro do liquidificador, cheio até as bordas. Posso me servir do próprio cansaço da polpa.


Só dois locais usam aqueles azulejos verdes: banheiros e lanchonetes. As paredes não envelhecem, não há como riscá-las e diminuí-las com quadros. O dono me conhece de pequeno e finge que não cresci.


Pago R$ 6 para reencontrar a minha solidão.

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