quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

11/1/2005 08:33:41 AM

AMARRE MEU CORAÇÃO NA PRIMEIRA ÁRVORE

Pintura de Gustav Klimt


Fabrício Carpinejar






O canalha, ao trair, diz que está confuso. Mas ele será canalha por que amou a verdade? Ele traiu o quê? Trair sua vida de repente não é trair o seu sentimento, de repente não é trair o seu desejo, de repente não é trair seu cheiro. Como avaliar o que será perfeito dentro de 2 ou 10 anos? Como apontar que aquilo será melhor se o melhor ainda aguarda a invenção? Como adivinhar se uma relação dará certo sem estar nela ou sair dela? Como escolher entre dois amores se não é concedida a chance de escolher entre duas mortes ou dois nascimentos? De que adianta ser objetivo se o que menos emociona é a objetividade?


Quando se escolhe, nunca se saberá se foi a definição errada, pois recordar é não deixar de alterar o passado. Nunca se saberá se foi a definição certa, já que estaremos sempre insatisfeitos.


Opina-se à vontade sobre a paixão com senso e prudência até que aconteça de modo pessoal. Perde-se a idealização e o sentido de comentar. Não terá nenhum valor o que você aprendeu nas apostilas. O cotidiano é feito de baques. Eu diferencio com dificuldade o desespero de viver da alegria.


Que lealdade a gente busca no amor além da ânsia de saltar o braço em torno do pescoço dela ou da calma ancestral de sentar de mãos dadas no fundo do lotação? Ou do descobrir uma cicatriz de infância debaixo do queixo? Ou de ir ao cinema para encurvar os ombros? Ou de apertar o braço dela ao percorrer a rua e a noite? Ou de ser uma criança com desaforos adultos? Ou um adulto com elogios infantis? Ou de estalar beijos nos ouvidos? Ou de acumular a lã e a luz no umbigo? Ou de observar as telhas como um pelego de estrelas? Ou de assobiar o bico da garrafa, transformando o vinho que resta em sopro?


Que lealdade a gente busca senão a de se aproximar e não pensar? Deixar que o tempo ceda espaço para o tempo da linguagem e que a carne seja metade da fruta na boca.


O amor não é segurança, todos procuram o nervosismo. Ao amar, fica-se fragmentado, não dividido. Dividido é um homem ainda muito inteiro. Fica-se tão sensível que se entra em um estado de insensibilidade. O choro é pavio mergulhado na vela. Difícil erguê-lo da cera. Não se reage, demora-se o olhar e o talher, demora-se a ouvir. Algo como sentar na ante-sala da voz para folhear revistas. O fluxo emocional é maior do que a possibilidade de comunicá-lo. Flutua-se como se o mundo ainda estivesse ensaiando antes de amanhecer. Procura-se uma praia para arrastar com preguiça a rede dos pés na areia. Sem coragem de falar, o jeito é esperar o milagre da espuma, um sinal, um aviso, que os peixes sejam mais fortes do que nós e arrebentem as cordas.


Pouca coisa levo nos bolsos. Unicamente sei que o riso dela é onde lavo o meu rosto de manhã.

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