quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

11/10/2004 12:49:21 PM

PROCURADO





FLÁVIO MOREIRA DA COSTA, gaúcho desaparecido no Rio de Janeiro, estará nesta quarta (10/11), às 20h, no Pavilhão Central da 50ª Feira do Livro de Porto Alegre. Recompensa: seu novo romance O País dos Ponteiros Desencontrados autografado.


Orelhas do livro O País dos Ponteiros Desencontrados (Ediouro)


Por Fabrício Carpinejar



Flávio Moreira da Costa me avisou ao entregar o livro: é o mais genial ou o mais idiota que fiz. Não há dúvida que a ignorância e a genialidade estão por um fio. Ser simples exige um talento blindado de ultrapassar a banalidade e fugir dos tiros e das tiradas. Poucos escapam ilesos. Autor de clássicos contemporâneos como Nem todo o canário é belga, o caso do gaúcho Moreira da Costa não tem solução, conserto e indulto. Ele usa seu próprio corpo como escudo. Nasceu para incomodar a literatura brasileira, a classificação de gêneros, deturpando referências, furtando citações e seqüestrando autores nunca devolvendo os reféns e os direitos autorais. É um delinqüente à moda antiga, charmoso e elegante, que faz rir enquanto somos roubados. Assassina lugares-comuns, desacostuma os nervos, procurando olhar pela primeira vez o que parecia esgotado. Tem uma intuição altamente poética, de subverter a ordem pela intimidade. A única forma de se conhecer é destruir. Uma criança sabe disso sem saber. Um brinquedo intacto é um brinquedo não amado. Esse romance é um brinquedo destruído e amado por Flávio Moreira da Costa.



Quem chegar adiantado ou atrasado neste livro não sofrerá problemas de fuso. "Um bilhete é sempre um desespero que vem antes ou depois da alegria." A narrativa é o verdadeiro tempo. Contar histórias é melhor do que contar ovelhas, com o adicional de que não se fica com fome e a noite também não dorme junto. Flávio monta um jogo fascinante. O enredo começa com a solicitação de informações sobre o paradeiro de João do Silêncio para agência de busca e recuperação de autores e livros perdidos. João do Silêncio é o escritor da obra que se começa a ler: O país dos ponteiros desencontrados. A sátira é evidente, João do Silêncio tem em sua trajetória a formulação da História da Filosofia Acidental (parodiando o estudo de Bertrand Russell) e o apelo bíblico Olhai os lírios do campo vira o grito de guerra Olhai os lixos do campo. Os escritos foram encontrados em uma valise e descrevem o tumulto de um país desorientado, de nome Aldara, onde os ponteiros não se acertam e as decisões são tomadas tarde demais. Como um queijo suíço, os relógios igualmente suíços estão cheios de buracos. As comissões parlamentares de inquérito demonstram incompetência para cumprir o quórum mínimo e apurar as denúncias de tempo perdido. O protagonista está mais perto de Cobra Norato de Raul Bopp do que de Macunaíma de Mário de Andrade. É uma fábula da descontinuidade, desgoverno, transformando provérbios em notícias de jornais e mostrando o lucro dos traficantes de Deus com a ausência de ordem. João do Silêncio "persegue sua própria perseguição". Vai acumulando provas da sua desistência de viver, atravessando desertos, a sede e a impossibilidade de se chegar à verdade sem antes exercitar as mentiras.


A poesia é a gramática do erro. Flávio Moreira da Costa estabelece a gramática romanceada da distorção. Distorce para falar de um Brasil em que o atraso é apenas mais uma esperança de perder o compromisso, o emprego e a eternidade. Ao devolver o livro ao escritor, só posso dizer que a ignorância nunca foi tão genial.

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