quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

10/8/2004 10:35:24 AM

E VIVERAM FELIZES COMO NOIVOS


Fabrício Carpinejar





Eu me preocupava com as dores alheias mais do que as minhas. Não queria ver minha mãe chorar, meu pai chorar, meus irmãos chorarem. Dediquei a vida a tentar fazer os outros felizes. Não sobrava tempo para cuidar de mim. Meus melhores amigos foram sendo aqueles discriminados e excluídos em sala de aula. Um manco, um míope, um colega que tinha um talentoso defeito para enfrentar apelidos e se fortalecer de solidão. Torço pelos times mais fracos, pelas zebras, pela descrença. Basta dizer que alguém não acredita em alguma coisa, que farei tudo para que ela dê certo. Eu, por exemplo. Tanto falaram que não iria dar em nada. Sou pai de um menino triste. O menino que fui sem deixar de sê-lo. Queria resolver a minha família, deixá-la junto. Com a separação dos pais, acabei me fragmentando para ficar com todos. O divórcio foi uma realidade dentro da realidade, apartando definitivamente o quintal do ventre. O portão fora cadeado e o cão engoliu a chave. Percebi que não sou unânime em mim, nem serei em qualquer amigo ou conhecido que me perceba. Serei dividido como uma luz se divide debaixo de um livro. Me dou os piores conselhos e prefiro uma frustração escolhida do que um acerto imposto. A foto acima é de um noivado. Noivar parece loucura nos dias de hoje. É uma loucura em qualquer tempo. Uma loucura alegre, de preparar uma vida a dois com antecedência e esmero. Fábio olha para a foto, ri abafado. Aline não olha, estende seu olhar para outro canto e deixa sua mão falar em seu lugar. Esperam a própria espera. Os pais sentados sabem, viveram e não opinam. Não adianta opinar. A biografia será diferente mesmo para quem busca se repetir. Noivar é casar a casa antes de seus residentes. Criar uma tensão social, uma ansiedade familiar de que o mundo pode ser planejado e cumprido. É um antídoto contra a perda, os fatalistas e os céticos. Quem noiva tem fé, ainda que não tenha religião. Confia que o amor pode ser mais do que cinqüenta passos dentro de uma igreja. Ou vinte passos ao quarto. O amor é o vitral que só pode ser visto de longe, depois do amor. Nunca perto ou dentro dele. E depois do amor nunca será depois. Acredita-se que não se deve expor os sentimentos para se proteger a fragilidade. Ninguém pode saber o que pensamos. Por quê? Pensar já é desejo. Os noivos expõem seus sentimentos, são fragilmente fortes. Têm um pacto de corpo. Estão com medo, sim, sempre. Medo não é ruim. Viverão no medo por uma palavra. Não troco nada pela expectativa de uma boca, que pode soprar de repente uma ofensa ou um beijo. E os que não sofrem do medo, da insegurança e da intranqüilidade não estão acordados para as delicadezas. A dúvida não esclarece, mas clareia. Os noivos não serão um casal apenas depois de casados, assim como já o eram quando namorados. Os noivos desafiam a inveja, das pessoas que se separaram e procuram a identificação pela maldade. Até porque essas pessoas deveriam perguntar o que deu certo nos relacionamentos, não o que deu errado. Os noivos desafiam a inveja. Sem eles, a árvore não se casaria com o rio para gerar margens.

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