quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

10/4/2004 04:37:43 PM

MEU SANTO DA GUARDA

Gravura de Giotto


Fabrício Carpinejar






Sempre que não entendo algo, uma rua ou uma idéia, peço um desenho para me explicar. Sou de um tempo em que as gravuras são alfabetos gigantes. Letra consistia em desenhar pequeno. Tem gente que guarda tudo que é data: do primeiro beijo, do primeiro fora, da primeira transa, do primeiro divórcio, do primeiro filho. Eu apresento uma incompetência natural para gravar dias como telefones. As informações duram apenas vinte segundos e já embaralho a ordem dos números em seguida. Uma data, entretanto, eu nunca esqueci. Quando nasci para a língua portuguesa: 4 de outubro de 1979, dia de São Francisco de Assis. Antes disso, nem existia para o livro do mundo, mundo do livro; era um menino de dialetos, longe do idioma, um menino sem talento para assinar o nome ou passar por debaixo das cercas da caligrafia, que se arranhava nos galhos e só conseguia apanhar alguma fruta por compaixão das árvores. Alfabetizar-me custava atenção que não contava, disciplina que me escapava. Não entendia que a pronúncia mudava o jeito da mão. Ou que a mão mudava a inclinação da escrita. O que ouvia não podia ser anotado. O que anotava não podia ser ouvido. A tinta me ameaçava com seu som parado, feno de jaula. Ia para aula cheirar o álcool das folhas do mimeógrafo. Ler e escrever vinham separados. Nessa data, meu santo da guarda Francisco me soprou dez palavras certas no ditado. Eu colei dele. A professora havia me reprovado com antecipação - voltou atrás. Fui meu único milagre, ainda estou me recuperando.

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