quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

10/21/2005 12:11:43 PM

MEU ANIVERSÁRIO

Fotografia de Renata Stoduto


Fabrício Carpinejar





Meu apelido de casa é Bito. Até os oito anos, não falava Fabrício, saía Bito. Fui me reduzindo para ser feliz. Ou para não sofrer, que dá no mesmo a uma criança que ainda desconhece até onde a carne voa. Não sei cantar. Confesso, sofro de vergonha. Timidez de ouvido. Nunca participei de nenhum karaokê. O fato de falar errado em minha infância me travou, barrou a garganta. Troquei os dentes de leite, não a língua. Minha língua é de leite. Ouvi algumas vezes que a minha voz era horrível e acreditei e me calei. Faço aniversário no domingo (23/10) e não adianta, sinto vergonha inclusive para cantar parabéns. Bato palmas com força como modo de me perdoar. Não desejava ser assim, o diafragma fechado. Em shows, canto baixinho, porque ninguém me escuta. No chuveiro, não abro o bico. A igreja que freqüentava decidiu musicar o Pai Nosso e fiquei novamente bloqueado. Pulei trechos da missa. Minha vergonha não abriu exceção para Deus. Na escola, fazia mímica do hino nacional. Nos coros que participei forçosamente, fingia movimentação dos lábios. A professora fazia de conta que me escutava e me deixou como um anjo de cera no grupo. Não sei cantar e queria muito, quero muito. Minha voz se atrasou para a palavra. Falo rápido para não ser reparado. Meu irmão Rodrigo elaborava letras para uma banda de rock do bairro. Acompanhava os ensaios. Era uma vassoura entre as guitarras e os violões. Calado, comovido, louco para ajudar, mesmo que seja carregando os instrumentos. Fiz várias letras mas me faltou coragem de entregar. A poesia foi o máximo que consegui chegar perto da música. A poesia é a música que não escrevi. Não saber cantar me impediu de dançar. Quando menino usava botas ortopédicas, com ferro nas pontas. Ainda as uso, não tiro para dormir. Por dentro da pele. Ainda não tirei as botas. Por dentro da pele. Osso de peixe sem mar para correr. Elas pesam mais do que as pernas. Eu arrasto meus pés e minha língua. Não sei dançar e queria muito, quero muito. Minha solidão pode ser de pássaro, pensei que fosse de palha. Tirem-me os sapatos, por favor. Tirem-me os sapatos de minha boca.

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