Pintura de Paul Klee
Fabrício Carpinejar

Meu primeiro beijo na boca me deu uma lição.
Uma lição que guardo até amanhã.
Apaixonado pela colega Alice. Ambos com treze anos. Cursávamos o último ano do Ensino Fundamental.
Ela não gostava de mim, gostava como amigo. Mas meu amor por ela valia por dois. Amava por mim e por ela. Amar em dobro é dobrar também a própria solidão.
Durante dois anos, guardei o sentimento sufocado. Escrevia cartas e poemas. Redigia bilhetes curiosos e ternos durante a aula. Anotava corações em seus cadernos. Insinuava uma aproximação atrapalhada, apressada. Agüentei no osso seus namoros com caras mais velhos, as confidências e detalhes macabros de suas conquistas.
Uma noite chuvosa, correndo de mãos dadas para chegar em casa, tentei o beijo, emparedei sua cintura debaixo da marquise e ela escapou o rosto. Meu primeiro beijo foi um não-beijo. A chuva me impediu de chorar.
A partir desse encontro, nossa amizade não poderia seguir ingênua. Não poderia nem seguir. Ela me olhava desconfiada. Sempre que uma mulher olha desconfiada nos promove a homem. Não posso esconder o orgulho de ser observado como homem após permanente insistência. Mesmo que seja como homem recusado.
O que não esperava é que ela abrisse a guarda, orientada pelo irmão, que aconselhou:
- Dá uma chance para o menino.
Mandou um bilhete avisando que não viveria sem mim. Convidou-me para ir ao seu apartamento. Seus pais estavam no cinema.
Eu a beijei no sofá. Era mais alta do que eu. Errei um pouco a altura do tronco para encaixar. Um beijo tímido, sem convicção. Um beijo com a língua hesitante. Com os lábios mudos, murchos.
Logo nos despedimos. E fingíamos que nada acontecera. Prometemos ligar no dia seguinte, não mais nos falamos. Nem para acarrear o amor. Mudei meu lugar na classe e sentei ao fundo. Seus cabelos loiros me acenaram longamente.
Eu a amava, mas não fora suficiente. Ela deve ter pensado que ficar comigo era o melhor. Mas o melhor não é o verdadeiro. Não se persuade o corpo com argumentos. Ela desejava me amar por admiração ao amor que eu sentia duplicado. O amor que a tornava Alice do Fabrício. Ela tinha ciúme do próprio amor que nutria por ela e queria tomar de volta.
Meu primeiro beijo na boca me deu uma lição.
Uma lição que guardo até amanhã.
Que o amor não se convence.

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