quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

9/17/2005 07:08:21 PM

PEDACINHO DE VIDA

Pintura de Matisse


Fabrício Carpinejar





Marga, 29, expressa sua insatisfação quanto à fugacidade dos laços. Depois de viver um casamento de nove anos, passa por dificuldades para se enraizar novamente. Lamenta que os encontros sejam somente sexo. Desabafa com legitimidade: "Não vejo qualquer esforço de outra parte para que aquele aparente relacionamento se torne ao menos uma amizade fracassada".


É curioso Marga, as pessoas atualmente procuram a intimidade para fugir da intimidade. Não desejam desejar, desejam se entreter, o que não é seu problema, mas acaba sendo por empréstimo. Fogem de qualquer possibilidade de instabilidade. Amor é instabilidade. Fogem das ameaças à mudança de rotina, à alteração na agenda, nas baladas e nos amigos. Estão mais preocupados em contar que não ficaram solteiros em uma noite do que em enfrentar os recalques de uma vida inteira. Fogem do próprio medo. Logo se despem para não mais se preocupar com a nudez. A nudez é um obstáculo porque exige dedicação. A nudez não é o que se mostra, é o que se descobre. É facilmente esquecida quando não foi imaginação. Se não é imaginada, não é vista.


É fácil seduzir no início. Seduzir se ambos não sabem nada um do outro. Tudo será fatalmente perfeito. É fácil mentir os vícios, jogá-los para trás com os cabelos. Apresentar disposição e entusiasmo, defender princípios tomando vinho, concordar que os ex foram canalhas para agradá-la. Isso é bajulação, não autenticidade. Uma mulher não quer ouvir um elogio, quer ser o elogio.


A conquista começa depois do sexo. Não antes. Não com palavras fabricadas, telefonemas súbitos, presentes inesperados. Depois do sexo é o instante em que o homem vai revelar seu caráter, se ele se importa contigo ou apenas cata um espelho para confirmar a vaidade. Naquele instante em que junta as roupas. Com a cabeça baixa, denunciou que não está ali. Que foi embora antes da despedida. Aquele instante já é o dia seguinte.


Não há nada mais erótico do que a compreensão. O erotismo é ultrapassar o ouvido com a amizade, com o conhecimento cada vez maior do corpo.


Não se está pedindo para casar em todo encontro, porém que o encontro sirva para consolidar o apego à vida. Não me importaria com quem não telefona depois. É difícil ser gentil? Creio que sim, pois a delicadeza só é feita para grandes homens, que não têm receio de se mostrar por inteiro, com seus riscos e alternâncias. Pode reparar que a sinceridade sempre vem junto de uma autocrítica implacável. Um parceiro que mostra seus defeitos de cara será mais aberto a um compromisso.


Na carta, confessa que talvez não tenha feito boas escolhas. Não concordo, não há como abolir o erro. O erro é aprendizado e lhe fará chegar mais rápido ao que busca. Sem o erro, poderia demorar ainda mais. O importante é que não se diminua diante da resistência, não aceite mudar porque não é compreendida. Como ensina Millôr: "De erro em erro, nasceu a alta culinária."


Continue acompanhada de uma ausência, até que alguém possa ser mais inteligente do que uma cadeira vazia.


O "Consultório Poético - para complicar o que já estava complicado" recebe colaborações. Pode mandar cartas com suas dúvidas de relacionamento. Tentarei responder aqui ao longo da semana. E-mail: carpinejar@terra.com.br

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