quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

8/30/2005 09:54:04 AM

FIXAÇÃO

Pintura de Rufino Tamayo


Fabrício Carpinejar





Tenho recebido dezenas de cartas, é difícil escolher. Eu me imagino em cada uma delas. Prossigo com meus palpites poéticos, que podem não resolver, mas confortam. Luanda viveu um relacionamento em quatro atos com James. Conheceram-se aos quinze anos dela, ele sempre um ano mais velho. O primeiro capítulo foi áspero e confuso, na negociação entre amizade e algo mais. Ele queria namorar, ela não, influenciada pela opinião das amigas e dos ditames da aparência. Por aquilo que entendi, Luanda é bonita e sociável. James compensa a falta de beleza física com uma introversão afetiva. Atravessaram a adolescência com essa indefinição de porta, entra-e-sai. Aproximaram-se pelas conversas na internet, conviveram, ela na defensiva e ele no ataque, encontraram pontos em comum, prolongaram a sintonia. Quando Luanda percebeu que poderia o perder, decidiu se declarar. Ficaram realmente juntos em abril, durante dois dias. Luanda caracteriza como dias "mágicos, encantados e sublimes". O que poderia correr para o final feliz, de repente amornou. Apostaram em uma relação aberta, garantindo que nada alteraria a atração. Em seguida, James se fechou e hoje mal se falam e trocam apenas cumprimentos genéricos por e-mails.


Luanda me questiona: o que ocorreu? Antecipa uma possível represália de James com sua resistência do início ou indica um pendor depressivo do rapaz, temeroso de uma futura rejeição.


Eu percebo que ele pode ter desconfiado da relação aberta. Foi uma jogada alta no pôquer, uma demonstração precoce de desprendimento quando estavam se firmando. Não recomendo blefar quando não sabemos o valor do que está em jogo, inclusive quando a liberdade é o preço a pagar.


Já os erros que você cometeu no passado não significam nada, não contribuíram para o impasse, porque mostrou o que desejava e é natural mudar de opinião. Se ficou moldada na época pelo parecer das amigas que não o achavam a criatura mais formosa e atraente, tudo bem. Logo depois correu atrás dele. Saldou o prejuízo com delicadeza e atenção.


Vejo que a história apresenta o narcisismo do primeiro amor, na fronteira indecisa entre paixão e teimosia. É como se não quisesse crescer. Busca a lembrança arrumada quando a vida desorganiza com facilidade as crenças. Mas será que ambos não viveram o máximo que poderiam. Nem mais. Nem menos. Pensou nesta perspectiva?


Empreende um recuo proposital à inocência. Com a intenção de preservar o passado, esquece a realidade imediata. Percebo um medo gravíssimo de errar, o que facilita o seu julgamento rápido. Sem o medo de errar, não existe coragem. Eu deixaria páginas em branco e a relação suspensa.


O que mais a irrita é que ele mudou: está hoje alegre, despreocupado, aprendeu a gostar de outras coisas que não fechavam com o perfil intimista. Outro indício de que procura fixar um momento idealizado e não evolui com as circunstâncias. Ao demonstrar que ele não precisa de você, não adianta espernear. Não vai salvá-lo. Ele não se torna certo do seu jeito. Até porque é egoísmo salvar alguém para se salvar. Ele não é e nunca será o que espera dele. Talvez seja um outro esperando uma chance para se mostrar. A projeção é evidente, identifica suas próprias virtudes como as melhores qualidades dele.


Como a história apresenta altos e baixos, uma constante instabilidade, não notei uma seqüência que garanta a longevidade dos laços. A relação parou no patamar de provocação, de disputa, da cisma e briga intelectual. Não esclareceram as preocupações. Confiaram nas meias palavras, que não são palavras inteiras. O vento distorce o que ficou a dizer.


Amor não aceita adiamentos ou concessões. Pede sempre o mais difícil e para agora.


Há de se cultivar as diferenças e o imprevisto. Já leu o jornal de manhã cedo com o namorado na cama? O primeiro passo é dividir os cadernos, depois encostar os pés. Não haverá silêncio por mais que atmosfera suscite o recolhimento. Um dos dois quebrará a quietude e fará a leitura de sua página em voz alta. Com a companhia e a interferência, dessa única forma, os dois conseguem ler o jornal inteiro. Sozinhos, permaneceriam lendo somente seus interesses.


O "Consultório Poético - para complicar o que já estava complicado" recebe colaborações. Pode mandar cartas com suas dúvidas de relacionamento. Tentarei responder aqui ao longo da semana. E-mail: carpinejar@terra.com.br

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