quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

8/22/2005 09:17:27 AM

NEM TODO ARROZ É SOLTEIRO

Pintura de Max Ernest


Fabrício Carpinejar





Recomendo que se continue a falar mal do casamento. Tem sido a melhor propaganda matrimonial. Quanto mais se lastima, denuncia ou deplora o azar da união, mais corajosos se sentem excitados a enfrentá-la. No fundo, todo mundo diz para si: comigo será diferente. O cara com quem ela está saindo tem fama de cafajeste: ela sabe, ele sabe que ela sabe. Mas nada do que será dito a ambos mudará a escolha. No fundo, ela sussurra para si: comigo ele será diferente. A esperança de ser a exceção confirma a regra. Em coisas de amor, o único ouvido é a boca.


Os conselhos sábios, lúcidos e sinceros dados para quem está amando não servem para nada. O casal apenas tem a vontade de receber arroz na saída, não está disposto a ajudar a separar os grãos sadios dos estragados. Aliás, não entendo o motivo do arroz tanto chover nos casórios. É o arquétipo dos solteiros. Passa a maior parte de nossa tradição fazendo ponta para o feijão (isso quando não é o parceiro de dança do strogonoff). É como se o arroz não tivesse talento e nutrientes para ser a própria refeição. Bobagem. O arroz está farto de ser posto por baixo e de lado. Um solteiro pode ser completo sozinho, um casado pode estar pela metade acompanhado.


O amor oferece uma estranha mania de grandeza, de salvação pessoal. Forja a expectativa da conversão. Não se mergulha no casamento pela idéia de continuar a relação firmada no namoro. Persiste a mobilização subterrânea e insaciável de transformar a rotina. Se algo estava ruim, vai melhorar. Se algo está bom, vai ser melhor. Não há vontade mais mística do que entrar em uma relação pensando alterar o temperamento de uma pessoa. É mais fácil multiplicar os peixes e os pães. Se o par não era o ideal no namoro, por que casar? A simplicidade é desacreditada nas horas da escolha. Casar virou uma solução caseira para o tédio.


Longe de mim o moralismo, dizer o que é certo e errado. Unicamente não concordo em enxergar o casamento como uma terceira pessoa, um terapeuta, um milagre, que resolverá o que ficou pendente na pré-história da relação. O casamento não modifica o que existia, somente evidencia as virtudes e defeitos com a convivência.


A compulsão do apaixonado é idêntica a do jogador que busca acertar seis dezenas na loteria, ainda que as chances matemáticas nunca sejam favoráveis. Não importa o resultado negativo, preencherá o bilhete a cada semana e fará conjeturas das operações financeiras do prêmio que não ganhará.


Para alguns, casamento parece ser a desculpa perfeita da infelicidade. A fachada para a frustração. O que o sofredor mais quer é sofrer com público, sofrer com audiência, sofrer acompanhado, e, de sobra, ter ainda um cúmplice para botar e dividir a culpa no fim da história. Encontra-se um parceiro ou parceira para reclamar de não ter feito com a vida o que se deseja fazer. Cuidado, a loucura é descomunal a ponto do marido e a mulher serem responsabilizados por aquilo que não aconteceu.


O casamento não merece se tornar sinônimo de tristeza institucionalizada. Ninguém hoje foi obrigado a adotá-lo. Com padre ou sem padre, o livre arbítrio não nasceu definido. O primeiro casamento deu errado, por que logo se tenta um segundo, um terceiro, um quarto? Será que é vício?


Suspeito que alguém está mentindo. Antes, durante ou depois do casamento.

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