quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

8/21/2005 09:57:03 AM

PAI MATERNO

Texto publicado na série "Homens no raio X", da Revista Cláudia, edição de agosto/2005

Pintura de Guayasamin


Fabrício Carpinejar





Não fui pai observando meu pai (que hoje é um grande amigo). Aprendi a ser pai observando minha mãe. Quando guri de sete anos e memória de sonho, meus pais se separaram e a vida não foi fácil. Minha mãe cuidava de dois empregos, trabalhava de manhã, fazia o almoço, voltava ao trabalho, pagava as contas, encaminhava os quatro filhos à escola, limpava a casa, e ainda escrevia e ainda se arrumava toda bonita com seus lenços no pescoço e ainda corrigia os temas e ainda arranjava tempo para rir no sofá entre a gente, como se fosse um feriado o fato de estar em família. Nunca a vi xingando. Praguejando. Cobrando. Pressionando. Transferindo culpas. A fatia do queijo era rala, mas o doce da goiabada sobrava e nos fazia esquecer a escassez. Lá em casa cada um cumpria uma tarefa: era o lavador de pratos; Miguel, o varredor; Rodrigo, o arrumador de camas e a Carla, a responsável pelas saídas em equipe de mãos dadas. Dentro de mim, nunca fui sozinho. Se não havia um pai por perto para me ensinar a ser homem, havia um irmão, havia uma mãe, havia uma irmã, havia a telepatia do afeto. Ser pai não é instruir o filho a lavar o carro, a mijar de pé, a fazer churrasco, a falar palavrão, a desenhar a letra, a namorar, a perder a virgindade, a sair de uma desilusão. Não, não é isso. Ser pai é somente compreender. Ao compreender meus filhos (Vicente, 3 anos, e Mariana, 11), estou sendo eles mais do que poderia chegar a me cumprir. Ao ouvi-los, estou sendo eles mais do que seria capaz de escutar a minha própria voz. Eu imito minhas crianças, sou um mímico de seus traços. A cada dia, não são eles que se parecem mais comigo, sou eu que me esforço a me parecer com eles. Sou eu que me esforço a merecer seus rostos, que ficam sobrepostos ao meu. Tem horas que me pego cantarolando canções deles no trabalho e me dá uma vontade de começar tudo de novo pelo prazer de assisti-los. No filme de meus filhos, não quero perder nem os trailers. A maternidade é inata, a paternidade é adquirida. Eu escolhi ser pai para cuidar do filho que fui e acabei sendo filho de meus filhos. Converso, brinco, ponho eles no degrau de meu ombro, encontro uma liberdade que só existia antes em minha solidão. Minha solidão está ensolarada com os filhos. Agradeço a minha mãe que não se limitou a me alimentar durante nove meses e soube transformar a residência em seu ventre.

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