quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

7/6/2004 09:54:41 AM

DIÁRIOS DE UMA VIAGEM POR VOLTA DA BOCA

Nova série

Gravura de Ben Nicholson


Fabrício Carpinejar





ANTES NUNCA DO QUE TARDE

Não me desespero quando não recebo as respostas das perguntas que não fiz. Nem sempre estou preparado para escutá-las. A gente pergunta todo tempo mesmo sem usar as palavras. Tenho receio de gastar a linguagem e não sobrar para depois. Já disse verdades para pessoas erradas. Já disse erros para pessoas verdadeiras. Embaralhei tempos. Queimei etapas. Um diálogo que deveria ter sido travado agora já havia feito décadas antes no momento que não sentia. Quantas vezes me declarei sem pesar cada uma das expressões? A palavra é tão sedutora, que podemos empregá-la mesmo sem necessidade. Não ter necessidade é desperdiçar a própria força do que podemos dizer em seguida, com urgência. Eu cuido das palavras como quem sopra a comida. Não pode esfriar demais, nem adoecer o céu azulado dos lábios.


TRISTEZA TEM FIM

Há antidepressivos que apenas pioram. Se fica mais viciado no remédio do que na cura. Costumo me utilizar como antidepressivo. É só pensar sem pensar. Flutuar nas lembranças como se não fossem minhas.


SINAIS DE FUMAÇA

Os acessos de comunicação com os mortos eram mais fáceis, mais diretos. Hoje apenas recebemos informações falsas, boatos. Interditaram os caminhos da fala entre os mundos.


DESORDEIRO

O desequilíbrio tem uma ordem, pede a ordem. O equilíbrio tem uma desordem, pede a desordem. Estou mais calmo quando desequilibrado. O desejo lava a louça quebrando a louça.

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