O INVERNO FALA LATIM
Da série MINHA INFÂNCIA NÃO ATRAVESSA A RUA SOZINHA
Fabrício Carpinejar
Minha avó costurava sem olhar. Cortava o dedo e chupava o sangue antes do vestido sugar o vermelho de sua distração. Meus brinquedos foram desfalcando pernas e braços. A infância é uma guerra cheia de paz. Em algum lugar dos dentes, uma faca é afiada. Meu pai derramava todos os talheres em um lençol branco no sol. E laminava uma por uma das peças nas pedras redondas. Um acampamento de insetos e metal. Havia uma casa de madeira no fundo da casa como uma cabeça dividida do resto do corpo. Não se entrava ali - as pás estavam de pé, brabas da falta de terra. As portas que deixamos entreabertas falam como janelas. Eu dizia: "Uma ostra é uma máquina de escrever. A lua é um relógio parado". Nada funcionava pontualmente, acontecia cedo no futuro. Depois da morte, só não esquecerei da esperança. Um homem leva o tamanho do quarto no pescoço. Não sei rezar sem me ofender ou ofender Deus. Quando vejo laranjas no chão, tenho uma súbita vontade de pedir perdão. Deve ser a cor do fogo que redime as lembranças.
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
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