quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

7/2/2005 01:12:39 PM

NÃO SER AMADO

Pintura de Chagall


Fabrício Carpinejar





Passa-se da idade de casar, como se houvesse idade para isso. Passa-se da idade de ter filhos. Suporta-se o desespero de guardar um cheque em branco assinado, com o temor de nunca descontá-lo. Quem colocou limite em nosso tempo? Regulamos nossa vida em comparação com as outras, desde a infância até a maturidade, desde o jardim até o asilo. Semelhante a dirigir com o velocímetro quebrado e comparar o que se anda pelos demais carros. O ritmo não pode ser imposto por fora. Convence-se de que se não é amado.


Não ser amado é pior do que ser invisível. É narrar o que faltou acontecer. Fica-se grávida da vida que não se teve. O peso de um corpo que sequer existiu para continuá-lo em pensamento.


Não ser amado é pior do que ser invisível. Pois nascer não é o bastante para ninguém. Não ser amado é o mesmo que carecer de pálpebras. É o mesmo que sofrer uma insônia parcial, somente nos ouvidos. É chamar atenção para as virtudes quando os defeitos não param de falar.


Não ser amado é pior do que ser invisível. As portas do guarda-roupa são as venezianas que espreguiçam a casa e nada é suficientemente justo para dar folga à alegria.


Não se amado é não encontrar cintura para as palavras. É um castigo mais severo do que o ódio. É mais grave do que esquecer.


Não ser amado é perder a possibilidade de contestar o próprio destino. É morrer de uma saúde incurável. É participar do mundo como se ele estivesse sempre por ser criado. É colar o fogo porque não há carta para ser queimada.


Não ser amado é se diminuir para dormir, se aquietar no almoço familiar, não mudar a assinatura de adolescente. É apressar os fatos por não fazer parte deles. É sentar em uma escada para não cair em falso. É não levar uma foto 3x4 na carteira. É correr o domingo para chegar na segunda. Não ser amado é um crime que não se teve culpa, um castigo que errou de irmão. É voltar onde não se esteve.


Não ser amado é concluir que o final poderia ser diferente se houvesse um começo. É escolher tudo da vida para contar com receio de faltar história. É a velhice avançar sem trazer vergonha, é a velhice avançar com a indiferença ao colo. É voar como um pássaro e ser chamado de morcego. É gastar o parapeito da janela mais do que a porta.


Não ser amado é acreditar que o amor significa apenas receber.

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