quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

6/4/2004 10:54:09 AM

HOMENS DO BAIRRO

Da série MINHA INFÂNCIA NÃO ATRAVESSA A RUA SOZINHA


Fabrício Carpinejar


O avô ficava com o mar até a boca. Andava de um lado para o outro da espuma. O mar era seu cachimbo. Eu sentava na mureta, esperando o vento soprar forte e colar os vestidos das mulheres mais no corpo. A maior nudez era imaginar os tornozelos. O pai colecionava boinas. Boina é mais leve do que um chapéu e se derrama como cabelo. Ele demorava mais tempo no guarda-roupa do que diante de um cardápio. Meu irmão subia no telhado para fazer chuva de ameixas. O vizinho não tinha uma mão e só cumprimentava com a esquerda. As árvores suspiravam, cansadas de balançar os braços para os carros. Eu ciscava pássaros nos olhos. Meus olhos não combinavam a calça e a camisa. Sujos de vida, beliche abandonado de repente. Toda visita se escutava pelo ranger do portão. Todo almoço se adivinhava pelo barulho da cozinha. Todo o dia se soltava pela histeria dos galos. Eu não entendia Deus e não me sentia desprotegido. Era tão apressado que confundia o crepúsculo com a noite.

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