UMA CASA ORGANIZADA É UMA CASA ABANDONADA
Gravura de Jean Cocteau
Fabrício Carpinejar
Teus olhos são duas crianças em desacordo. Eles brincam com que não aconteceu. Como se as pupilas tivessem tranças, entre o fogo e o mel. Nem preciso conhecer o que vem depois de tua boca, o vento se deita como um sobrenome. Teu rosto, não há como dobrar, não há esquina, ninguém atravessa uma praça impunemente. Toda letra é uma mancha de vela, uma gota de azeite, uma navalha de barbear na pedra, que apenas serve de bússola aos pássaros. Tenho que tomar cuidado ao cavar tua terra lenta, ao mexer nas lajes, ao perfurar espaço aos quadros. Há luz encanada a entornar, esquecimento a cobrir os móveis de lençóis brancos. Revirando o que esqueceste, encontro anéis das latas onde fingia alianças quando pequena. Estrelas pisoteadas por cavalos. A harpa de um vestido. A sola de uma moeda. Uma garrafa enrolada em corda para pescar frutas. Um sopro ofegante no isqueiro vencido. Queres que eu te entenda como te entendes. Queres a vaidade da compreensão mútua? Não existe como. Uma casa organizada é uma casa abandonada. Não se sepulta uma assinatura.
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
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