quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

5/16/2005 11:46:44 PM

PAI MALUCO

Fotografia de Renata Stoduto


Fabrício Carpinejar





Não existe pai de primeira viagem. Todo pai faz, no mínimo, uma viagem de ida e volta. Uma para levar o filho e outra para buscá-lo. Sou pai de dois filhos, Vicente, 3 anos, e Mariana, 11. Vicente mora comigo e Mariana com sua mãe. Minha vida pessoal é cheia de explicações, a mãe da Mariana não é a mesma de Vicente, com quem vivo. E sempre estou a conciliar o que a mãe da Mariana pensa, o que a minha mulher pensa, o que Vicente pensa, o que a Mariana pensa. Isso sem contar o apelo das avós. Difícil? Não conheço vida fácil e nem quero. Os problemas estimulam e exercitam o afeto. Essa confusão só tem me ajudado. Não falta gente se importando e prestando atenção nas crianças, opinando e dando dicas. Sou conhecido em casa como 'pai maluco'. Ser chamado de pai maluco pode ser motivo de ofensa para alguns. Para mim, é orgulho. Pois confio no humor e na alegria como a verdadeira filiação. Desejo que meus filhos não sejam somente meus filhos, mas filho da alegria que passa por mim. A paternidade está associada à severidade, à censura e ao controle. Paternidade pode ser engraçada, solta e, ainda assim, ser didática. Ser pai não é um sacrifício, um trabalho, mas um dom, uma possibilidade que recebi para amadurecer e calibrar os olhos. É receber a infância de volta com juros e correção monetária. Há algo melhor? De manhã, levo sempre Vicente na escola. Faço questão. Brincamos muito no caminho. Faço de conta que preciso de combustível de beijos para chegar até lá. E dá-lhe receber beijos no trajeto, coisa não tão fácil, que consigo com facilidade quando está dormindo e não pode reclamar da barba. Depois sou o elevador para ele apertar o interfone da escolinha. Em dez minutos, realizamos uma vinda inteira de cumplicidade. Não vou dizer aqui que troquei fraldas, dei banho, virei a madrugada controlando sua febre, e tudo o que possa cheirar a prestação de contas. Erro muito, mas sempre que erro digo que errei e me desculpo. O amor não tem tempo para arrogância. Autoridade e paternidade não são sinônimos, talvez antônimos, paternidade é compreensão, não deve julgar, muito menos condenar. Não bato em meus filhos em situações de descomportamento. Converso. Conversa cansa e eles logo perdem a resistência.


Ao pai, não bastar contar histórias, é necessário ser a própria história ao filho. Não canso de inventar personagens e aparecer de repente na sala, cheio de trejeitos e manias. Teatro não falta para demonstrar carinho. Mariana foi alfabetizada pelo professor "Caramujo", que significa eu de chapéu e sem mãos. Crio personagens para lidar com possíveis dificuldades das crianças. Quando minha filha estava dispersiva, dei a luz ao "Canal", um guri insuportável, que mudava de conversa a toda hora (como um zapping da tevê) e não terminava sequer um assunto. Depois de conversar com o "Canal", Mariana ficou bem mais concentrada. Outros vieram: "Sapato de Gente", para colocar os pequenos na cama, espécie de ônibus gratuito, em que eles andam em cima dos meus pés; "Noturno", que surgia de noite e não podia receber a luz do sol em demasia; "Tristinho", que somente reclamava e não sabia valorizar os bons momentos, entre tantos. O último que surgiu, "Professor Prendedor", vem ensinando pronúncia ao Vicente. Ele usa prendedores de varal pela roupa e sua pedagogia é transformar cada palavra em música. Meu filho falava "tutu", que é uma comida, ao invés de "tatu", um bichinho. Agora fala ta-tu, separando para não errar, com a mesma fome. Minha galeria de protagonistas ajuda que eles entendam e possam organizar o temperamento a partir da contraposição e do confronto. Ser pai é se inventar.


(Revista Pais e Filhos, edição de maio de 2005)

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