quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

4/7/2005 09:45:20 AM

BOA EDUCAÇÃO

Gravura de Chagall


Fabrício Carpinejar






Estudei em escola pública, com greves infinitas. Em qualquer momento, eclodiam férias inesperadas. Não compreendia o sofrimento dos professores, sem receber salário e reajuste, mas exaltava a minha possibilidade de jogar futebol, de assistir televisão e brincar sem parar. Vibrava com a greve. Se já virava entusiasmo um período sem aula, o que poderia dizer de meses? Fazia cara amuada de vítima para tirar proveito e chantagear a mãe. Os professores tinham obrigação de ensinar (não observava o outro lado da questão). Aprendi a ser vítima do sistema e, o pior, apreciar a posição. No fundo, curtia desesperadamente o tempo livre.


Há um ponto de vista diferente do meu esperando ser percebido. Um contraponto. Uma opinião que não reparei ou não deixei que falasse. Desagrada-me estar certo, assim como estar errado. Estou pensando, adiando o ponto final. Um exemplo de ausência de senso é rebaixar o aluno ou o profissional que contou com o apoio da família, estudo e estrutura. Menciono o aluno que termina uma prova primeiro, antes do tempo mínimo. Todos os outros candidatos vão deduzir que a prova dele ficou em branco, que não teve acertos. Mas não, ele gabaritou. A facilidade irrita quem tem a facilidade e quem testemunha a facilidade. Minha irmã mais velha não estudava para os exames e alcançava os melhores resultados no boletim da família. Foi chacotada a vida inteira. Era vista como CDF, mas não estudava. Forçaram adjetivos para excluí-la. Parece que apenas o esforço enobrece a inteligência. É natural ouvir alguém de boa família, depois de um excelente resultado, ser menosprezado e desqualificado em exame: "ele nasceu com tudo, com condições, não teve méritos". Quem é capaz de avaliar méritos? É preconceito criticar em função de uma estrutura financeira, tanto o que vive na pobreza como o que vive na riqueza. Quem vive em melhor situação se sente culpado socialmente pelo conforto e se volta contra os pais. Quebra o pau porque asseguraram seu crescimento. Como não tem coragem de xingar os colegas, transfere o ódio aos mais próximos.


Da mesma forma, é preconceito creditar uma vocação a uma herança genética. Sou filho de poetas e ouvi com insistência que a poesia estava no sangue. Pelo jeito, nasci escrevendo. Não foi assim. Alfabetizei meu sangue sozinho, como qualquer um. Escrever não é uma escolha, mas uma necessidade. O que deve ter sofrido Ricardo Ramos, o filho de Graciliano Ramos, também maravilhoso escritor. Cansaram de o comparar ao pai e não a ele mesmo.

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