quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

3/5/2005 09:29:58 AM

POR DENTRO


Confira entrevista de capa do suplemento infantil Sininho, do jornal VS (Grupo Editorial Sinos), que abordou meu livro "Porto Alegre e o Dia em que a Cidade fugiu de casa" (Alaúde), ilustrado por Eduardo Nasi.


Vamos bater um papo com o nosso poeta?

Carpinejar brinca com as palavras para a gente conhecê-lo melhor


Por Rosana Sperotto



Como as pessoas se tornam poetas? Não tem faculdade pra isso, não é?

Não tem universidade e escola para se tornar poeta. Assim como não há escola e universidade para se tornar artista de circo. Poesia é alegria de brincar com as palavras, de fazer jogos de adivinhação. É como cabra-cega, a palavra se esconde e eu a procuro, eu me escondo e a palavra me procura. Quem se encontrar primeiro, bate na árvore. A poesia acontece naturalmente na infância. Depois todo mundo quer falar certinho, comportado e esquece de transformar as imagens e misturar as coisas. Falar diferente não é falar errado, e falar diferente é fazer poemas. Posso dizer que poesia é uma receita sem livro de instrução. Uma receita de olho.


Quando você descobriu que queria ser poeta?

Quando não sabia mais onde colocar minha vontade de amar o mundo. Meu quarto já estava cheio e a porta não mais fechava. Eu queria que meus amigos da escola se importassem mais com quem sofria em silêncio. Havia sempre um aluno triste no fundo da aula e eu escrevia poesia para o acalmar. Em alguns dias, o aluno triste era eu. Quando a gente escreve, a gente não aceita a realidade, a gente faz a realidade.


Já fazia poesia quando era criança?

Quando criança, eu desenhava. Desenhar é o começo da poesia. Todos os livros deveriam ser preenchidos com lápis de cor. Fui um menino dos telhados, dos muros, de roubar frutas e de jogar futebol até a luz cansar. Adorava espionar meus vizinhos, nunca tive binóculo, tinha uma ameixeira de seis metros, que era muito melhor. Acabava descobrindo tudo o que acontecia no bairro. Sou um fofoqueiro das coisas do coração.


Gostava de ler quando era menino. O quê?

Meus pais me contavam histórias. Mas não somente na hora de dormir. Em toda hora. No almoço, na janta, no carro. Vi que não precisava atravessar o mundo para ter aventuras. Bastava narrar um dia no pátio. Lia Monteiro Lobato e a coleção Vaga-lume, meus preferidos. O que eu mais gostava de ler nas horas vagas: enciclopédia e dicionário. Não entendia nada. Mas temos memória para guardar o que lemos até entender. Fazia um supermercado de letras na sala de casa. Vendia palavras estranhas como frutas. Minha mãe comprou várias palavras. Acho que ela colocou em seus livros. A palavra mais cara era saudade, a mais bonita de todas. Queria me casar com a palavra saudade, sem me separar.


Seus pais também são poetas. Como você vê aquele ditado ''filho de peixe, peixinho é"?

Não vivi num aquário, mas em alto mar. Ter pais poetas é morar em um barco. Vivemos pensando longe. E o único que tem cara de peixe na família sou eu, que fico de boca aberta. Tive problemas respiratórios quando pequeno. Asma e alergia. Respirava pela boca. Meus colegas diziam: 'tu tens cara de peixe morto!"


A gente acha que numa casa de tantos poetas tudo é poesia. É assim mesmo?

Não, há contas, rotina e amizade como em qualquer casa. Éramos quatro irmãos e cada um ajudava com uma tarefa: lavava a louça e varria a calçada. Quando estou cansado, vou lavar louça. É minha terapia. Gasto um litro de detergente. Faço bolha de sabão com as mãos. O melhor dos meus pais é que não ficavam lendo poemas, mas conversavam poesia como quem indica a localização de uma rua. O amor é simples. O amor é catar o miolo quente do pão. Não sei por que complicamos.


Dizem que os poetas vivem no mundo da lua. Dá para explicar isto?

Eu sou distraído mesmo. Quando distraído, é que estou concentrado na poesia. Já estendi roupa suja, pensando que estava lavada, já passei a roupa suja e guardei no armário. Minha mulher chegou em casa e perguntou o que eu tinha feito com as roupas imundas na máquina. Não sabia que ela não tinha ligado a máquina. Poeta não é astronauta. Não teria como pagar a viagem à lua.


Quantos livros você já escreveu?

Sete: As Solas do Sol (1998), Um terno de pássaros ao sul (2000), Terceira sede (2001), Biografia de uma árvore (2002), Caixa de sapatos (2003), Cinco Marias (2004) e O dia em que a cidade fugiu de casa, ilustrado pelo meu amigo Eduardo Nasi.


Dois deles têm nome de brinquedos. A infância deixou boas recordações?

Sim, a infância não deixou apenas boas recordações, a infância formou meu caráter. O que sou hoje é resultado dela. Falava errado, tinha língua presa, feio como uma tamanduá sem formiga. Aprendi a superar as dificuldades, a me divertir, a não ter medo da aparência. O que aprendemos com esforço valorizamos mais depois. Na primeira série, a professora disse que não teria condições de ler e escrever. Não se pode subestimar a fé de uma criança. Só é dizer que não posso fazer que faço, mesmo que seja por teimosia. Deus não tem limites. Nós que criamos limites porque não suportamos sua beleza.



É muito diferente escrever para as crianças?

Não vejo diferença, apenas que a poesia fica mais solta e a prosa corre mais livre. Não subestimo a criança a ponto de dizer que ela não vai entender algo. Ela entende mesmo o que não falamos. Não preciso dizer que estou triste para os meus filhos, eles se aproximam naturalmente procurando me abraçar.


Quantos filhos você tem? Eles gostam de livros, de ler e escrever?

Dois. Afora os leitores, meus filhos adotivos. Vicente ainda não lê. Tem três anos. Ele é atento quando eu e a Ana contamos histórias. Parece que está rezando de tanta atenção: os olhos arregalados e a ansiedade da boca. Mariana, de 11 anos, escreve sem parar. Disputa o computador comigo. Faz teatro. Declama. É deslumbrada pela música da poesia.


Você lê muito?

Três livros por semana, no mínimo. Mas fiz um pacto comigo: não adianta ler sem viver o livro depois. A cada livro, leio uma vida. Ou seja, escuto a vida de uma pessoa desconhecida Três livros por semana, três vidas a descobrir por semana.


Acha que é verdade mesmo que para saber escrever a gente tem que ler bastante?

Para ler bastante, é preciso antes escrever muito. Essa é a verdade.


Como nasce a inspiração? Quais as coisas que mais inspiram?

A inspiração nasce do mínimo, do traste, do que não tem valor, do que é recusado. O terreno baldio está cheio de poesia. Aves carregam ciscos para o ninho me inspiram. Casais de namorados brigando no ônibus me inspiram. Uma criança tocando sanfona com uma caixa de papelão me inspira. Quando fui pai, eu tentava dar brinquedos caros aos meus filhos. Percebi que eles não davam bola. Na verdade, estava dando os brinquedos para mim, não para eles. Eles gostavam de coisas ínfimas, um io-iô, uma corda, um jacaré de borracha. E gostavam mais de inventar seus brinquedos. Com uma fita adesiva e gravetos, criam o brinquedo que buscavam.


Você escreve poesia e histórias todos os dias?

Todo dia, inclusive quando estou conversando contigo. Escrever é musculação para o espírito. O espírito corre, joga, se exercita para ficar em forma.


Além de poeta, você é jornalista. Trabalhar sempre com as palavras não cansa?

Eu amo o que faço: sinto prazer ao ajudar as pessoas. Sinto prazer ao ver que um poema pode dar sentido a uma vida, pode dar sentido a uma recordação, pode dar sentido a alguém que havia perdido o sentido da própria vida.


Como você gosta de se divertir?

Eu sou a minha melhor piada: rindo de mim. Minha maior diversão é andar de mãos dadas com Ana: ir ao cinema, jantar fora, ouvir como foi seu dia de noite. Nada é mais divertido do que namorar.


Seu trabalho é reconhecido aqui e fora do Brasil. Como é ficar assim famoso?

Famoso? Eu serei sempre famoso para a minha mãe coruja. Todo filho é famoso para sua mãe. É essa fama que me conforta.


Vamos brincar de stop de mentirinha?

Um país: Portugal

Uma flor: Orquídea

Uma comida: Feijoada

Um filme: Monstros S.A

Um carro: Gol

Uma cidade: São Leopoldo e Porto Alegre

Um livro: O menino do dedo verde, de Maurice Druon

Um time: Inter

Um animal: Mundo real: cachorro. Mundo imaginário: lesma

Se tivesse que escolher as 10 palavras que mais gosta, quais seriam?: Ana, Vicente, Mariana, Saudade, Rumor, Pólen, Colméia, Oceano e Pomar

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