quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

3/2/2005 11:01:06 AM

VAIDADE

Gravura de Magritte


Fabrício Carpinejar





Falei que adoro lojas, não nego, pode cheirar a vaidade. É vaidade. Mas a pior vaidade é a que tenta dissimular que não é vaidade. Ter vaidade é sadio, não ter vaidade é doença que pode levar à loucura ou à santidade, dois extremos de grave abnegação. A questão é administrar a vaidade e cuidar para que ela não se converta em veneno. A vaidade que desliza em poder e, depois, em autoritarismo termina com qualquer feição. É narcisismo e megalomania. Vaidade boa é se preparar para o outro, se preparar para ser amado, se cuidar para valorizar o cuidado. Eu tenho vaidade de meus filhos, tenho vaidade de minha mulher, tenho vaidade com quem me lê, tenho vaidade com os meus pais, tenho vaidade do que faço. Há dias tão alegres, com a luz batendo de lado para não me cegar, que tenho vaidade de Deus. É errado? Não vejo nenhum problema. Eu escolho as roupas por vaidade, escolho as palavras por vaidade. Vaidade é fútil, então sou vaidosamente fútil. Vaidade para mim é a necessidade de sair de casa. O que adianta trancar o mundo no quarto e esperar que o trinco se mexa espontaneamente? A futilidade é o fundo que sobe até a superfície. Quem não tem fundo não pode nem ser fútil. No tempo da faculdade, queria ser marxista, revolucionário, encarnava tendências que transmitissem com fidelidade a aura de intelectual engajado. Engraçado: era um tempo em que pregava paz, mas todas as conversas de bar terminavam em briga. Na política, extrapola-se a vaidade da ideologia. Não admitia ser contrariado, trocar de posição e opinião, ceder argumentos. Desejava mudar o mundo a minha maneira, quando o mundo não tinha maneiras para chegar em mim. Não havia saideira para apagar o incêndio. Odiava menção à moda, aos caprichos da roupa. Modelo significava alienação. Beleza significava superficialidade. Freqüentava sebos, nunca livrarias. Usava um macacão de oficina (às vezes sem camisa, acredite) e me interessava apenas em discutir a realidade política. Não notava, não percebia, mas portava uma vaidade ainda mais grossa que a da aparência: a das idéias paradas. Conheço gente que não aceita o contraponto, formas de se comportar e pensar senão a sua. A vaidade das idéias paradas fala que é contra o preconceito para ser preconceituosa. Vaidade que é autodefesa, condicionamento, violência. Vaidade que não é possível vestir, e ataca para não ser descoberta debaixo da pele.

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