quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

2/3/2006 01:48:51 AM

A BALANÇA

Imagem de Salvador Dalí


Fabrício Carpinejar





Quem já foi mulher sabe. Há algo mais íntimo e pessoal do que senha: conferir o peso em balança. Não se aceita companhia e gente bisbilhotando. Põe-se a bolsa no gancho, respira-se fundo tal jogadora de basquete antes do arremesso e retira num olhar laser os dados do visor.


Ela vai retirar todo adicional que suscitará carga. Física ou psicológica. Não se envergonhará de tirar brincos, colares e pulseiras. É um despojamento equivalente ao exigido na porta giratória de banco. Impiedosamente abandonará objetos inimigos de sua eventual magreza. Dependendo da gravidade, sobra inclusive para a aliança de ouro.


Não comparecerá para a sessão de horror com casacos, botas e roupas de inverno ou logo após o almoço. Muito menos no período pré-menstrual


A balança é como exame médico. Reivindica privacidade, isolamento e jejum. É um confessionário sem padre, um divã sem analista. O ideal é passar em uma farmácia, dar uma paradinha de dois minutos e sair correndo para checar o perfil no reflexo das vitrines.


A mulher não contará que passou na balança, a não ser que tenha diminuído de peso. Em forma, o riso franco a fará levitar. Jogará seus cabelos para os lados. Mudará seu roteiro no ato, ainda que custe atraso no serviço. Experimentará roupas nas lojas, reencontrará o provador para consumar suas ganhas de vingança e comprará escandaloso conjunto de lingerie.


A consulta precisa ser artesanal. Desdenha da tecnologia. Um exemplo é a balança digital, que esmola moedas e promete detalhes neuróticos como massa corporal. Além de pormenorizar a tragédia, o extrato é sádico. Lembra de sua idade, apresentando comparações das medidas em diferentes faixas etárias.


Ela não sairá com um documento por escrito de seu peso. Nem morta.


Diferente da ala masculina prestará atenção nos números quebrados e gravará os gramas. Homem quando está com 74,3 diz que tem 75. Mulher contabiliza qualquer sobrepeso ou emagrecimento. Passa a régua até o último gole do milímetro. É implacável e severa quando sozinha.


Na verdade, a balança está dentro da cabeça dela e começa quando calcula as calorias dos alimentos antes de mastigá-los. Ela sonda, analisa, investiga os componentes. Sequer a barra de cereal escapa do controle (Aliás, para preservar a sanidade feminina, poderia ser providenciada uma letra maior nas embalagens para evitar danos oculares e futuras visitas ao oftalmologista. Aquela letra mirrada de remédio provoca no mínimo uma enxaqueca.).


Não tente facilitar o trabalho comprando uma balança para pôr no banheiro. É uma das maiores afrontas, passível de queixa na delegacia. Além de chamá-la de gorda, insinua que estará fiscalizando seus avanços e recuos. Mulher não aceita nenhuma auditoria fora de si mesma. A balança no banheiro fará com que ela se sinta desproporcional de manhãzinha. Melhor é um pequeno tapete floreado, em que ela se verá leve e perfumada. Um tapete para secar os pés antes da toalha.

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