Gravuras de Magritte
Fabrício Carpinejar

Tenho um pesadelo com freqüência: que todos os guarda-chuvas que perdi ao longo da vida vão voltar para se vingar. Pela desatenção, formei um pequeno exército, batalhão inconformado, rebelde e sanguinário. Já esqueci guarda-chuva no ônibus, na escola, na universidade e no trabalho. Esqueci por vocação, o tempo muda e não percebo sua falta. O guarda-chuva sofre com o déficit de atenção. O dono não pede seu retorno, não briga pela sua posse. Raros são os que voltam para buscá-lo. Ele é esquecido e se compra outro. Ele quebra e não é consertado. Ele não funciona e se troca na loja. Não é um objeto de casa, tampouco um objeto da rua. É um objeto do trânsito, da passagem. Não tem um lar, no máximo consegue uma bolsa. O guarda-chuva foi - curiosamente - o primeiro sem-teto. É muçulmano, esconde o rosto das mulheres. É bipolar, está de bom humor quando todos estão irritados, está irritado quando todos estão de bom humor. Odeia luz, adora gripe. Tem ciúmes das calhas. Se ele não é enterrado, não está morto - voltará como os dizeres de adesivos religiosos. É vendido por pechincha nas esquinas. Vida de guarda-chuva é de constante queda. Permanece na área de serviço ou no banheiro para não molhar o tapete. Abandonado, humilhado, torturado.

Tomaria cuidado ao falar na frente de um guarda-chuva. Ele é ressentido, controla a movimentação da casa, o lugar das gavetas e os encontros proibidos. Não protege, oculta. Não conversa, xinga os carros. Contrariado, fecha a cara. Nessa guerra, ao menos, posso garantir que ninguém ficará molhado.
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