quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

1/23/2005 11:35:16 AM

RINGTONES

Gravura de David Hockney


Fabrício Carpinejar





As campainhas eram raras na minha infância. Chegava-se ao portão para gritar: "ó de casa!', acompanhado de palmas. A presença de cães e a gravidade dos latidos ajudavam a identificar a presença da visita. Abria-se a janela para ver quem era (a porta em último caso). A voz servia como instrumento rudimentar e infalível para atrair os residentes à rua. Tempo simples onde o timbre passava pelas grades até atingir o fundo da casa. Se a garagem estava aberta no pátio, o eco voltava. Dispensáveis os alarmes, interfones, dispositivos de segurança e de proteção. O grito convencia. Havia na época um telefone fixo, convencionalmente preto, no escritório, que tocava como um relógio de cuco, espaçado e lento. Discreto, não chegava aos pés do barulho das teclas da máquina de escrever.


O telefone não tinha o cacife de uma televisão ou de um rádio, utilizado para recados e conversas urgentes. Os encontros e as visitas ainda repercutiam como o melhor modo de conviver. Os orelhões mobilizavam monstruosas filas, já que as linhas não eram fáceis de adquirir. Cansei de perder fichas em seus gargalos. E se vivia bem.


Não estou dizendo que se vive mal atualmente. O problema é a facilidade. A facilidade acomoda quando não incomoda. A maioria tem um celular no bolso. E o celular, ao receber uma ligação, apresenta uma campainha personalizada, com a música predileta escolhida pelo usuário (ringtones). São muitos barulhos, avisos, alarmes, chamadas, que conversar mesmo olho no olho só em casa. O silêncio tornou-se criminoso, fora de moda. Criou-se um estado permanente de alerta, a qualquer momento surge uma ligação para interromper o que se está fazendo. É impossível dar seqüência de meia hora a um pensamento. Todos viraram médicos de plantão, com o bip acionado no intervalo de quinze minutos para falsas emergências. Nunca se está no lugar certo, sendo chamado para outro lugar e outro lugar e outro lugar. Essa necessidade dispersiva de estar em vários locais abstrai o próprio corpo. Fala-se vários assuntos sem terminar algum deles.


No trabalho, os celulares dos colegas, incluindo o meu, tocam simultaneamente, além dos telefones fixos, o que transforma o expediente em uma festa rave. É uma parafernália sem fim, com despertadores caminhando na mesa. Cada aparelho oferece uma música e uma pulsação diferentes. Um DJ não produziria essa alquimia sonora. A sensação é que entrei em uma balada. E poucos atendem na hora, para ouvir com calma a música do celular. Quem telefona é menos importante do que a canção favorita. O que deveria ser recepção é um réquiem. De instrumento, o aparelho se constituiu em um fim. O aparelho assobia, assim como se assobiava antes por medo da solidão.


Na minha infância, os brinquedos não eram maiores do que a imaginação: pião, cinco marias, pipa, bola, amarelinha. Feitos de madeira, barbante, couro, pedra e pano, simples como a voz que chamava ao portão. Com um impulso, a criança inventava o resto. Armado de uma tampa de lixo e de um galho, o piá se transformava em guerreiro medieval. Percebo que os adultos estão com brinquedos maiores do que sua imaginação, se julgam importantes porque não desfrutam de um minuto para pensar. Desculpa, me esqueci, pensar é coisa para vadio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário