ANOTAÇÕES NO COURO DA BOLA
Manuscritos de Van Gogh
Fabrício Carpinejar
Tudo é mão para erva do mato. Tudo é visita para erva do mato. Um animal, uma criança ou um vento desatinado. Qualquer toque, mesmo que não tenha sido encomendado, mesmo que seja para arrancar, é recebido como chuva. A erva do mato não é de escolher seus amigos. Não sou também de premeditar os amigos. Minha história nunca foi poltrona de teatro, com lugar marcado, mas poltrona de cinema, sem numeração. Chegava no escuro a definir um assento, desacompanhado, avulso, advérbio, como se o filme fosse me ver. Eu me arrumava todo, penteava o cabelo ao lado, para o filme me assistir. Não treinei a assinatura. Não preenchi páginas e páginas para testar uma letra que impressionasse. A assinatura é a única coisa legível em minha vida, infantil, súbita, como um cavalo sem nada além das crinas. Surgiu no momento de fazer a identidade. Não sofreu ambição, vaidade de permanecer e resistir. Invejo aqueles riscos ensaiados, que ninguém entende, a não ser o portador. A minha é uma caixinha para bicho dormir, com a pobreza da água: papelão, coberta e o cheiro úmido da respiração. Terminou apenas mais apressada pelo empurrão da tinta, mas é a mesma erva do mato, magra como a erva do mato, incapaz de engordar e esconder segredos a exemplo do feno. Não tenho pânico de rua sem saída. Admiro o beco, o paredão das casas, a falta de esquina. Quando guri, uma rua sem saída era a melhor rua para jogar futebol. Não passavam carros, permitindo lançar a bola de uma quadra à outra interminavelmente. Não perdíamos tempo preocupado com a utilidade da bola. O jogo terminava na vidraça ou na voz dos pais chamando para dentro. Naquela época, eu dizia alguma coisa quando não tinha certeza. Mais tirava de mim quando não tinha.
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
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