quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

12/13/2005 04:13:14 PM




Consultório Poético tem um novo desafio. Leitora pergunta se assume a homossexualidade. Confira o texto no site da Superinteressante ou abaixo.


SOU GAY?

Pintura de Lucien Freud


Fabrício Carpinejar





"Olá. Sou uma garota de 22 anos e nunca me relacionei com ninguém, mal sei beijar. Explico-me: desde meus 12 anos sinto-me atraída por mulheres. Reprimi esse sentimento o máximo que eu pude, até, que por volta dos meus 18 anos comecei a aceitar que eu poderia ser homossexual, ou pelo menos bi. Ainda hoje trabalho esse processo de auto-aceitação, já com mais facilidade. Porém, ainda não o suficiente para me relacionar. Quer dizer, digo que eu me relacionaria com uma mulher, mas também não faço nada para que isso aconteça. Espero que uma mulher tome todas as iniciativas, assim, eu só tenho que decidir se quero ou não ceder aos seus interesses. Mais fácil que ter que ir à luta e demonstrar interesse em alguém.


Aos 14 anos tive um pequeno rolo de adolescente com um amigo. Foi péssimo. Ter ficado com alguém por quem eu não tinha interesse algum foi traumatizante. Não me permito refazer esse erro. Daí, então, desde essa época não tive mais ninguém pra mim. É, me apaixonar não tem sido assim tão fácil.


Tive atrações fortíssimas por mulheres, mas nunca ditas verbalmente a elas. E isso faz com que você nunca saiba até onde ela quer, o que ela imagina sobre você. Esse defeito de não falar o que sinto já me trouxe grandes arrependimentos. Sempre acho que deveria falar de meus interesses, arriscar mais. Hoje tenho tentado melhorar isso, mas tenho medo de me expor além do necessário, o que também não acho agradável.


Aí, tô nessa: tentando buscar um equilíbrio que me faça bem, tentando me conhecer melhor, tentando me encontrar. Ou serei uma eterna idéia de mim mesma...


Obrigada pela atenção."



Em dias de sol, céu azul e tudo sem vento, minha mulher percebe com razão um desespero de ser feliz. Explico: é o desespero do sol, parece que é obrigação fazer ginástica, sair à rua, divertir-se, ir para praça, praia, piscina, beber, escambau a quatro, como se ninguém pudesse ficar trancado em casa. Ficar trancado em casa com o sol lá fora é enquadrado como crime no código severo da solidão. Besteira. O desespero de viver às vezes reprime a espontaneidade. Queremos tanto aproveitar que não conseguimos expressar o que sentimos.


Tentei ilustrar sua história. Você não consegue partilhar o que mais a emociona pelo excesso de arrebatamento e pelo receio de ser observada, vigiada e censurada. Condiciona o prazer à culpa.


A homossexualidade não é excludente, é natural. Não importa de quem goste, importa o jeito como gosta. Pelo modo que me conta, procura ser amorosa, é o que precisa para ser feliz. Deve tomar a atitude. Definir a posição. Expor suas opiniões publicamente. Abrir a guarda. Tentar. Pouco importa o que os outros pensem. Caso mudar de posição depois, não é motivo de pânico, não nascemos para idéias fixas. Esperar que seja seduzida não lhe dará voz própria. É agradável, mas ao mesmo tempo limita a rotina e reprime a vontade. Tomar a iniciativa é o caminho para se orgulhar das atitudes e afirmar a independência. Por enquanto, deixa-se levar, não optou, não respondeu. Está ainda assustada com a pergunta.


Já vem sentindo atração por mulheres há um bom tempo. O ideal é experimentá-la na intimidade, no convívio, com quem possa entender suas dúvidas e saciá-las devagar. Foi-se a época em que se via a tendência sexual como uma caricatura ou um desvio. É escolha pessoal, autonomia, aguçamento da sensibilidade e um modo peculiar de compreender o mundo, o corpo e o prazer. Você não é do tipo que sairá cantando meio mundo, fará primeiro amizades, expressará seu gosto e sua vontade e o caminho se abrirá sem medo.


Sobre beijar, não existe curso. A boca nasceu para o beijo. Beijar é também falar. Falar respirando. É o mesmo que soprar velas, só que para acendê-las.


Pode mandar cartas com suas dúvidas de relacionamento. Tentarei responder aqui ao longo da semana.

E-mail: carpinejar@terra.com.br


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