quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

12/11/2006 12:36:15 AM

PAPAI-MAMÃE JÁ TIVERAM FILHOS

Arte de Allen Jones


Fabrício Carpinejar





Já me recomendaram muito não conversar depois do sexo e ainda mais sobre o sexo. Que termina com o mistério. É uma regra do Dom Juan.


Não caio na ladainha. Sou um narrador mesmo quando estou de folga, sofro de cistite verbal. Desconfio que o laconismo signifique preguiça sob o disfarce de confiança. Na hora em que alguma mulher pede: "nem precisamos falar". Ou quando afirma que "o silêncio diz tudo", abro um parêntese. (Por favor, o silêncio não diz absolutamente nada. É unicamente silêncio. Não é tradutor de quem não fala).


É uma espécie de covardia abençoada, uma forma de cada um viver para seu lado e não afiançar a solidão. Não acho que a voz estrague o clima, que o diálogo diminua a intensidade, que abrir o que se gosta é assassinar a relação. Qual é o problema de se expor, identificar suas taras, ir além da respiração e recomeçar? Deixar rolar serve para bola de futebol. Não para o corpo que pretende fixar leveza e se deliciar.


Que diga sem pudor que adora sexo oral, que adora prender os mamilos, que adora dar a bunda, que adora ser pega em flagrante ou se envolver com estranhos. Casais temem o rosto um do outro, temem confiar segredos, temem a audiência pública de suas fantasias. Temem ser ousados demais ou travados e ficam no meio-termo, aguardando que a coragem compareça na próxima vez. Um crime ser educado quando a nudez desafora. Restrições combinam com remédio, não com a saúde.


Ao sacrificar a fala, acomoda-se na aprovação equivocada. Parece que a transa foi tão ruim que não permite comentários. Ou que alcançou sua condição sublime, que perdeu a língua.


Um tabu crer que o sexo foi feito para a concordância, que deve-se embrulhar o amor para comer sozinho em casa. Sexo não é uma conclusão fechada. Não é um julgamento individual. É uma sentença a dois, um júri popular. Que ambos melhorem dentro e fora do beijo.


Sexo não combina com o silêncio, sexo combina com o sussurro, com o gemido, com o palavrão. É mais teatro do que livro. Não para ser lido quietinho. Pede a expressão cênica.


No sexo, somos atores do próprio desejo. Uns canastrões, outros bem mais convincentes. Uns esperando o Godot, outros falando pelos cotovelos como as personagens de Lorca.


Vou viver pela boca.

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