quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

11/6/2006 08:01:08 AM

RINDO NO AMOR, NÃO DO AMOR

Pinturas de Nicolas De Staël


Fabrício Carpinejar





O riso não costuma reinar no sexo. Já ouvi que é inibidor num espaço de concentração, tensão, num espaço para dentro. Os dois corpos hipnotizados, como serpentes seguindo a música. Entrelaçados pela corrente sanguínea do vento, pelo toque, pela expansão das unhas e cheiro selvagem dos lençóis. Como se não fosse permitido rir dentro da igreja e do quarto. Como se o amor fosse um segredo sério, um segredo lento.


Um riso dela: o homem pensa que ela está zombando do tamanho do pau e dos movimentos de seu corpo. Um riso dele: a mulher jura que ele está troçando de suas imperfeições e de sua experiência. Convenciona-se que o humor brocha. O humor traz desconfiança. O humor lança suspeita. Que o amor deve ser sério como um drama. Trágico.


Não foi isso que aconteceu com os dois. Ambos transavam com alegria. Com alvoroço festivo. No meio do gozo, passaram a rir desbragadamente. Rir da entrega mútua, do que foi recebido, do que foi oferecido, do mistério de estar pleno e sem volta.


Aquilo que fizeram foi mais do que desejaram. Aquilo que fizeram foi mais do que uma aventura. Aquilo que fizeram foi mais do que ouvir um ao outro, e sim falar um no outro. O rosto dele moldado no pescoço dela. Os seios dela apertados pelo seu peito. A simplicidade da ternura. Nadavam, andavam dentro dos braços, sem a ameaça da dúvida, sem remédio, as papoulas como sapatos descansando fora da casa. Todo beijo não pedia beijo, pedia soluço, sol no dia seguinte.


Não havia a gravidade da chuva, havia a graça da garoa. Não havia a maldade do meio-dia, havia o perdão da meia-noite. A boca diurna e a cintura noturna.


Davam-se como o vinho e a toalha de mesa, como as pétalas e os livros, como a plumagem do ninho e alecrim, como a cabeleira da névoa e os altos frutos.


Gargalhavam quando não sussurravam e nada diminuía o prazer. Desnecessária qualquer explicação sobre as risadas. Entendiam-se na absoluta ausência de explicação. Gemiam rindo. Gemiam misteriosamente rindo. A nudez abençoada pelas sombras.


Uma oferta. Uma paixão. Uma necessidade. Gemiam rindo. Nenhum arrependimento atravessou a cama. Nenhuma culpa desmereceu a voz. Rir é trocar a despedida pela véspera. Voltavam e se arremessavam, torneavam o tempo como queriam. Soltos pelo riso, nunca amarrados pelo grito.


Acreditava que chorar junto era a maior cumplicidade que existia. Mas rir durante o amor supera qualquer intimidade.


Amar na alegria é amar casando.

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