quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

11/24/2005 01:11:49 PM

DIVÃ





Outra dúvida amorosa foi respondida em minha coluna do site da Superinteressante. Confira abaixo e no consultório poético quem cochilou no divã.



SOU SUA AMANTE, ELE LARGARÁ A ESPOSA?

Consultório Poético (para complicar o que já estava complicado)


Fabrício Carpinejar





Caro Fabrício,

Passo por um momento pessoal contraditório, sinto intensa felicidade, mas também angústia, por isso escrevo para teu Consultório Poético...


Sempre fui desconfiada em relação ao amor. Talvez tenha lido demais o Nelson Rodrigues, mas a verdade é que nunca acreditei que aquele estado de "felicidade a dois" realmente existisse, muito menos que fosse possível confiar verdadeiramente em alguém. Há um ano, porém, reencontrei alguém que não via há muito tempo e tudo mudou... É um cara por quem eu sentira atração quando conheci, sentimento que mantive secreto por um detalhe que me parecia gravíssimo na época: homem casado. Começamos a sair ano passado, de forma despretensiosa, pois ainda que aquele estado civil permanecesse, eu não me importava mais, queria mesmo algo diferente. E aí aconteceu o surpreendente (ou será irônico?): descobrimos afinidades absurdas e eu percebi que é verdade o que alguns filmes mostram, às vezes o tempo realmente pára, o riso imotivado é delicioso, até o silêncio se transforma em um momento inesquecível... Adoro o jeito dele, a forma agressiva como me toca, o jeito atencioso em outros momentos; tudo se enquadra perfeitamente, não me imagino mais sem ele... Por tudo isso, o fato de que ele é casado começou a incomodar: não posso contar para o mundo que estou feliz, os encontros são necessariamente furtivos, sinto saudades demais e até ciúme (da outra que não é outra)! Por outro lado, não consigo fazer muitas cobranças(!!!); acredito no amor dele, mas sei que gosta demais do filho pequeno, está dentro de uma estrutura familiar/econômica/social/etc. e, bem ou mal, já tem uma relação conjugal estável - represento trocar o certo pelo duvidoso, é a cruel verdade. Como posso diminuir as angústias em relação a isso? O mundo tem razão? Tudo e todos dizem que as amantes são emocionalmente submissas e ingênuas, estão sempre sendo enganadas e enganando a si próprias, passa-se a imagem de que são sempre dignas de pena, não possuem amor-próprio... Até que ponto alguém se envolve com pessoas casadas por medo de fracassar ao enfrentar os problemas que envolvem os relacionamentos convencionais? Às vezes me sinto incrivelmente única (gosto demais dele, amo de verdade, como nunca imaginei que fosse possível), mas n'outras absurdamente boba (penso "imagina só, digo que sou a namorada dele, mas estou me enganando, na verdade eu sou amante de alguém!"). Nosso relacionamento é sincero ao extremo, desde o início contamos tudo um ao outro, e adoramos fazer qualquer coisa juntos, não apenas sexo... Enfim, tudo me parece tão contraditório... E me assusta tanto a continuidade do casamento dele como uma possível separação: dúvida sobre a dificuldade atual e de uma possível decepção com uma possível mudança, de que ele sinta a falta da família. Amo-o sinceramente, acredito realmente que sou correspondida e que o nosso sentimento é quase transcedental de tão intenso e único, mas tenho medo... E se for tão bom apenas porque é proibido?


É incrível como apenas escrevê-lo me acalmou, parece que admitir certos sentimentos realmente é o primeiro passo.



Isadora, eu entendo perfeitamente o que está sentindo: ser amante é como viver um mundo invisível e imaginário. Como esconder dos amigos e amigas aquilo que lhe assegura prazer e memória? Na hora em que alguém perguntar como foi o seu dia, terá que ser genérica para omitir a presença dele. Sua maior alegria não pode ser dita, alardeada. Está apaixonada, todo mundo nota, e impedida de dizer o nome do santo (ou do demônio). Não há nada mais pungente do que não sair de mãos dadas, roubar beijo em público, controlar os locais e lugares para não serem vistos. Isso é morar clandestinamente na própria cidade. Cria-se uma paranóia que, a princípio, pode excitar, sob o signo do proibido. O que é proibido torna-se mais intenso no início. Mas a paranóia vai deixando as pessoas insensíveis, súbitas, repentinas. São capazes de fazer uma grosseria um minuto depois de um arroubo e arrebatamento. A confusão e a cisão da personalidade formam um ambiente de tensão e desconfiança.


No momento em que o caso se torna estável como o casamento, a passionalidade toma conta e qualquer um dos dois perde o juízo. Surge com força o ciúme, a posse, a cobrança. Momento em que se vira o tabuleiro e termina o jogo. As estratégias cedem espaço para uma franqueza ríspida e insuportável. O medo de perder tempo aniquila a fruição alegre do tempo.


Acredito que ninguém investe numa relação a troco de nada. Mesmo que seja por brincadeira ou passatempo, no fundo espera um retorno e ficar com o sujeito pela vida inteira. O desapego representa uma fachada social para diminuir o sofrimento e a pressão. O romantismo é um traço de nossa cultura (e talvez do caráter). Desde o princípio, ainda que inconsciente, deseja permanecer ao lado dele e torce para ser a escolhida. O amor envaidece.


Dificilmente ele abdicará do casamento, ainda mais com filho pequeno. O homem, na maioria das vezes, costuma ser racional ao terminar um relacionamento. Ele começa um namoro sem pensar, porém para findar é uma amarração só. Parece um contador analisando uma concordata. Odeia ficar sozinho ou emparedado. Não que ele não seja apaixonado por você, até acredito, mas recomeçar é uma atitude de coragem reservada a poucos e raros.


Eu faria um exercício: pensa na outra mulher, a que está casada com ele. Como reagiria na situação dela? Ela que está sendo enganada, suscetível a perder tudo sem saber ao certo o que aconteceu e como aconteceu. Seu sofrimento na história é o menor. Pois tem a vantagem da aventura, do novo e do desconhecido. Representa um futuro diferente enquanto a esposa sinaliza a permanência do passado.


Amor-próprio é um termo riscado do dicionário da paixão. Nessa situação, sobra amor-alheio, falta amor-próprio.


Não sei se o casamento dele vai bem. Se está ruim, o cara tem que tomar a atitude, não você por ele. Separar-se da mulher não é se separar do filho, crianças não merecem ser usadas como escudo para disfarçar carências. Se está ótimo, desista. Siga o curso independente dos dias, que ele vai lhe procurar assim que estiver livre.


Sobre dar certo ou não, não deve assumir a responsabilidade com uma possível decepção contigo. Não se é profeta ou seguro de vida para garantir felicidade. Tentar é o único jeito que existe para ser feliz, não inventaram outro. E errar acompanhado é melhor do que errar sozinho.


Pode mandar cartas com suas dúvidas de relacionamento. Tentarei responder aqui ao longo da semana.

E-mail: carpinejar@terra.com.br

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