quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

11/22/2005 11:29:06 PM

MISS CULTURA NA PALAVRARIA

Concurso de miss literatura acontece nesta quarta (23/11), na Livraria Palavraria, com o tema "Feios, sujos e malvados". A entrada é franca.


Pintura de Andy Warhol





Ser feio tem seu charme, ainda mais no concurso de miss. Mas para ganhar o certame, só sendo também sujo e malvado. A sétima edição do tradicional Miss Cultura retrata os melhores textos sobre excluídos sociais, que fizeram da literatura a melhor forma de vingança, escárnio e maldade. Os escritores e missólogos literários Fabrício Carpinejar e Paulo Scott (que substitui Marcelo Carneiro da Cunha, suspenso pelo terceiro cartão amarelo e que voltará no próximo jogo) realizam uma exótica compilação de personagens sombrios e errantes. O evento acontece na quarta (23/11), às 19h30, na Livraria-café Palavraria (Rua Vasco da Gama, 165 - Bom Fim Telefone 51 3268 4260 palavraria@palavraria.com.br ), em Porto Alegre (RS). A entrada é franca.


A convidada especial vem de São Paulo: a poeta Mariana Ianelli, jornalista e mestre em Literatura e Crítica pela PUC-SP, autora de "Trajetória de antes" (1999), "Duas Chagas" (2001) e "Passagens" (2003). Está lançando o livro "Fazer Silêncio" (Iluminuras).


O programa funciona como um "karaokê recital", com desfile de fragmentos de contos, romances e poesias. A cada encontro, é possível assistir a leituras dos enredos e fragmentos preferidos dos apresentadores sobre um tema específico. O público vota na peça mais bela da noite, que será consagrada Miss Cultura durante o mês, com direito a exposição na livraria. O terceiro colocado ganhará o titulo consolação de Miss Simpatia. Os votantes poderão desbancar os concorrentes com outras opções - basta levar uma obra pertinente sobre o assunto.


MARIANA IANELLI autografa seu livro "Fazer Silêncio" na quinta (24/11), às 19h30, na própria Palavraria. Fiz as orelhas da obra. Convido todos.


UMA VASILHA DE OCEANO


Fabrício Carpinejar



Mariana Ianelli produz silêncio no leitor. Um silêncio que é cumplicidade e empatia, a identificação de uma memória em comum.


A escritora refaz o passado com o refinamento de uma profecia, cria uma "arqueologia sagrada" de seus hábitos, desaloja verdades das aparências. Em sua poética singular e febril, cuidadosa e alentada, não há desperdício. Descobre o "rumor do oceano/ no fundo de uma vasilha".


Não existe propriamente o passado, o presente e o futuro, mas aparições, fulgurâncias de uma compreensão simultânea dos tempos. "Não há tempo que me fortaleça/ Sem antes ter me derrubado." Seu olhar é de cima, como do alto de uma árvore, dos telhados, das costas de um anjo. Ela ensina a arte de perdoar, entende as imperfeições que pesam, problematizam e enriquecem a vida. "De todas as paixões do mundo/ Resta-nos o dom de saber perdê-las." Não condena o sofrimento com castigos, culpas e maldições. O sofrimento é sábio e transmuda-se na alegria do autoconhecimento. Não pune; abençoa com a partilha. Para cada aflição, indica uma receita curativa. Ao desespero, sugere "o consolo num copo de cidra".


São poemas para a moldura da voz. Mariana tem uma vocação classicista para lapidar a dúvida em diamante. O adjetivo é bem colocado, os paradoxos são necessários e os versos se perfazem em paralelismos bíblicos. Persegue a justiça e o equilíbrio da forma. Assim como Sophia de Mello Andresen e Maria Teresa Horta, grandes autoras de Portugal, condensa o raro em instantes de deslumbramento, descarna o mínimo com acurada intensidade, ultrapassa a vagueza pelo simbólico e adere ao território mágico das evidências.


Se no outro lado "a eternidade é leve", aqui, neste livro, a escrita ajuda a passagem da brasa ao cristal, do animal ao espírito, do prosaico ao sacro. Dificilmente a poeta fala por si, na primeira pessoa. Recusa a catarse existencialista ou os achaques domésticos, fala com os outros (nunca pelos outros), em conjugação coletiva. "Gozamos um amor tranqüilo, sem heroísmo." Sua mitopoética tem um andar místico e concentrado, a retirar visões sobrenaturais de banais conjunções dos fatos. "Vês aquela menina?/ Alheio à sorte, não podes vê-la:/ Falta-te o conhecimento do oculto:/ Essa criança será tua mulher daqui a vinte anos." Supera a indigência da força física a subir como perfumada fumaça dos círios e da flor oracular do fogo. Não são apenas poemas, são promessas de uma mulher que entendeu a solidão para conviver, que sonhou para contar, que viveu para não morrer a esmo.

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