DEFESA DA NORMALIDADE
Pintura de Philip Guston
Fabrício Carpinejar
Só escuto escritor bajulando a loucura. Paranóico, esquizofrênico, neurótico, dupla personalidade são algumas das caracterizações predominantes entre os autores. Ninguém mais quer ser normal. O desvio é status. Houve a banalização do caso clínico, a menosprezar quem realmente sofre desse mal. Ou alguém acredita que o verdadeiro esquizofrênico comentará sua doença como um passatempo? Ele não sentirá orgulho, pois todo dia acorda para enfrentá-la e domá-la. E o processo é difícil e angustiante. É preciso tomar cuidado com a palavra, a ponto de não ser seduzido a falar o que não é indispensável. Claro que o escritor que se diz louco ganha pontos com o público, afinal mistifica sua vocação e literatura. Torna-se um ser de exceção, imprevisível. Mas o preço não é alto? Não é um egoísmo?
Proponho a defesa da normalidade. Um elogio à pacatez. Chega de pensar que a intensidade está em superar os limites. A intensidade é aproveitar os limites. É viver todas as possibilidades de um mesmo ritual. Repetir, repetir, para aperfeiçoar as variações. Contar uma mesma história para reparar e se deliciar com as pequenas mudanças.
Quero mais é ser normal. Brincar no parque, rolar na grama, andar de mãos dadas, dançar até perder o domínio dos pés, tomar sorvete em noites tórridas, cuidar dos filhos, namorar na frente da televisão, buscar um cobertor para aquecer a mulher quando ela dorme na sala, assobiar para espantar o tédio, comentar a violência e a política na parada de ônibus, bagunçar as gavetas no trabalho, usar tênis folgado para as caminhadas. Quero mais as alegrias perecíveis. Um café da manhã com direito a farelos na toalha e goiabada no chão. Quero mais naufragar na rotina. Fazer tudo exatamente igual porque gosto, porque escolhi essa vida e não foi imposta, porque quando amo nada se esgota, nada tem fundo.
Muitos proclamam a loucura porque não estão nela. Cômodo assistir as brasas do inferno de longe. É também uma forma de se eximir da responsabilidade. Fácil declarar que se é louco para não arcar com as conseqüências, tanto aqui como no tribunal.
Ser louco não é coisa boa. Não traz consolo, prazer ou conhecimento. Ser louco é uma profissão estressante, sem amigos. O louco desconfia de sua própria imaginação. Ele pena para manter sua saúde. Devemos valorizar a saúde para não torturar a linguagem e os leitores.
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
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