UMA VEZ NO RESTAURANTE
Pintura de Miró
Fabrício Carpinejar
A mãe adoeceu e ele teve que levar o filho ao trabalho.
Era garçom do restaurante Ouriço. O filho de quatro anos foi tomado de austera alegria. Uma alegria adulta, por assim dizer. Uma alegria de levantar o queixo como se houvesse levantado de um dia para outro uma penugem entre o nariz e os lábios.
A criança não se conteve de ansiedade. Finalmente iria ao trabalho do pai, tantas vezes prometido e adiado.
O pai, constrangido, explicou ao chefe o contratempo e prometeu não incomodar.
Só que a criança perguntava mais do que o tempo de responder. Imitava seus gestos, sua carranca, questionou se ele não receberia também uma gravata borboleta.
Há guris que sonham em ganhar uma camisa de futebol, o menino desejava uma gravatinha para encurtar o pescoço. Uma gravatinha para se exibir ao pai. Para mostrar o quanto que os dois se pareciam.
O pai avisou que não tinha. Brabo. Já estava brabo, porque precisava atender as mesas, trocar as toalhas, repor o serviço, providenciar a comida.
Se o garçom normalmente olha para todos os lados, ele olhava até para fora do restaurante a antever quem se aproximava. Orava pelo pouco movimento. Por ironia, a casa lotou rapidamente e sua pressão subiu como espuma de chope.
No entrevero entre a cozinha e a recepção, não é que seu filho derrubou um prato de petiscos. O estilhaço produziu o batimento desordenado de um coração para transplante. O garçom-pai parou tudo para varrer, recolher os cacos e pedir desculpa.
Saiu ralhando:
- Não mexe mais em nada!
Ingenuidade crer no silêncio:
- Pai, o que eu vou fazer com os braços?
- Que braços?
- Não posso mexer em nada.
A criança observava com admiração a agilidade do pai, capaz de suportar uma pilha de sete pratos em uma única mão, contornar as cadeiras com a cintura sem deixar cair e gritar os números das mesas.
- Meu pai é malabarista.
- Meu pai nunca erra.
- Meu pai é famoso, todos chamam ele.
A cada elogio que recebia, o garçom se irritava. O amor impróprio para aquele momento. A criança não entendia com quem falava, diferente do pai solto, risonho e brincalhão de casa, que o ajudava a colar figurinhas, que contava histórias e o fazia dormir com a mão no rosto.
- Por favor, vou perder o emprego.
O filho ensaiou um resmungo pela expressão de raiva, não por ter compreendido as palavras.
- Tá bom tá bom, depois a gente conversa.
O chefe percebeu o desespero de seu funcionário. O medo de falhar. Alcançou uma travessa para o menino levar refrigerante para uma mesa e entusiasmou os movimentos mexendo em seus cabelos.
A criança foi bem devagar, contando os passos, orgulhoso e altivo com sua barba imaginária. Calçou o pedido na mesa. Tirou primeiro o refrigerante, depois o copo, concentrando o peso na boca. Tranqüilo, como chuva e calha. O casal servido bateu palmas.
A criança falou alto, para que a voz encontrasse seu pai antes dele:
- Viu? Sou que nem meu pai...
Seu filho era mesmo ele. Mas bem melhor.
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
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