quinta-feira, 8 de janeiro de 2004

HORÓSCOPO

Tenho uma lealdade estranha aos eletrodomésticos e aparelhos de casa. Não consigo me livrar das velharias. Penso em trocar e logo mudo de opinião. Minha cafeteira faz oito anos. Dependendo do jeito que ela é colocada, vaza embaixo, deixando apenas uma borra do que seria o café. Toda manhã é um mistério se ela vai inundar a pia ou não. Tornou-se meu horóscopo. A cafeteira decide se terei sorte, juízo ou amor. Consulto o humor do escapamento como quem recorre a uma astróloga. Com oito anos, o liquidificador perdeu a tampa e permanece funcionando com um pedaço de brinquedo do Vicente. É uma escultura infantil. O CD tem doze anos, veio com a Ana e seu visor queimou. Colocamos literalmente a música no escuro. Os objetos em casa se empenham para o pior. Quebram pela metade - me deixando indeciso com o destino. Nunca a destruição é completa para repor sem culpa. O vídeo contabiliza dez anos. Não sei como ele não ronca depois dos meus pequenos o confundirem com lata reciclável de lixo. Um dia encontrei rebobinando os óculos sumidos da mãe. Aliás, a mãe é imbatível em fidelidade. Ainda usa uma máquina de lavar adquirida em meu nascimento. Trinta e um anos. O meu computador já fechou os sete aniversários de azar. A marca é impossível de se definir, formada de partes herdadas de cada espelunca eletrônica que foi estragando. Minha persistência pode ser preguiça ou, algo mais grave, meu medo de ser também substituído.

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