terça-feira, 27 de janeiro de 2004

FÉRIAS DAS FÉRIAS



Gravura de Raoul Hausmann


Fabrício Carpinejar


Entrar de férias é não entrar de férias, é se preparar para as férias. Teria que se tirar férias só para depois entrar de férias. A gente se acorda no primeiro dia e vai se esforçando para se adaptar aos novos horários sem horários, com pouco discernimento para diferenciar a preguiça da indolência. E dorme mais do que devia e deixa para fazer o que se pretendia no dia seguinte. O segundo dia repete o primeiro e as férias vão passando e a aflição que ela termine aumenta. O início do descanso começa a virar o final premeditado dele. Passa-se todo ano esperando essas quinzenas gloriosas, onde tudo acontecerá como planejamos. Imagine a ansiedade, a expectativa, a esperança depositada entre os dois fachos de datas? Não fazer nada significa que pretendíamos fazer tudo o que não se podia ao longo de doze meses. É quase impossível abarcar esse universo de distrações e adiamentos. Muita repressão para se resolver em quatro semanas. Tenta-se mudar os costumes, mas em cada mudança surge uma atrapalhação e o que aspirava à eternidade parece agora patético. Se digo que irei escrever um livro, custa-me encontrar o primeiro parágrafo. Se digo que irei sestear na praia ao som do mar, encontro vizinhos que deixam o som do carro ligado no máximo volume. Como a transformação dos hábitos piora a personalidade, retorna-se à comodidade dos antigos, perdurando o vício das mesmas tarefas.


As férias são rápidas, efêmeras. Elas não acontecem, desacontecem. Carrega-se o período com excesso de ritual que a espontaneidade se degenera em afetação. Fica-se extremamente suscetível. Uma casa com chave para fora. A paranóia faz com que se procure a incomodação como pretexto para adiar e justificar as promessas não cumpridas. As contas permanecem povoando a correspondência, com datas díspares e alheias ao sono. É necessário encontrar um lugar para o cachorro. Dar um jeito nas plantas. Antecipar dois meses. Dobrar as horas. Livros destinados para a levitação pesam nos braços e não há silêncio suficiente para atravessá-los. Passar filtro solar nos filhos é uma arte milenar, que exige meditação e desprendimento. Como a imaginação não é a realidade, uma porção de frustração se infiltra no comportamento e mina o que poderia ser agradável. Ao planejar as férias, não programamos doença, cansaço, intriga, brigas, desentendimentos.


Férias têm sido sinônimo de egoísmo. O tempo que se tira para si quer excluir os outros, o que é impossível. O mundo não pára porque não se está trabalhando. Coloca-se na mala o que a gente queria fazer escondido para fazer às claras. Qualquer alteração do percurso é vista como afronta. Há de se compreender que férias são o tempo que se tira de si para ouvir finalmente os outros. Na verdade, passa-se o ano inteiro preso naquilo que a gente quer. Férias significa algo como se despossuir.


Acumular as férias é acumular a vontade de lazer. Lazer acumulado é tensão. É como se pairasse no ar a obrigação de ser feliz. Obrigação não é prazer. O prazer se converte em culpa. Procuramos nas férias os dias úteis quando o correto é se deliciar com a inutilidade dos dias. O erro é tratar as férias como extensão do cotidiano, com tarefas e objetivos a cumprir. Tarefas viram deveres. Deveres viram trabalho. É um momento para procurar aquilo que se desconhece, arriscar novos sinais, despistar os comandos. É uma trégua para se inventar mais do que repensar. Férias são sagradas, mas se recomenda profaná-las durante o ano para não sobrecarregar o desejo. Nunca depender de sua salvação em uma única prestação. Até porque a salvação não marca hora como um médico. Ócio criativo é apenas uma desculpa para trabalhar no final de semana. Prefiro o ócio destrutivo: levar a casa para a exuberância dos improvisos.

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