segunda-feira, 19 de janeiro de 2004

O QUE UM HOMEM QUER?

Fabrício Carpinejar


O homem não quer nada, quer descobrir o que quer no meio do caminho. O homem não quer ser elogiado em excesso, senão pensa que é deboche. Quer dormir por nocaute, não por escolha. Quer viajar o suficiente para não voltar a ser ele mesmo. O homem quer chamar atenção em público, ficar quieto a dois. Não quer o meio-termo. Quer falar mais do que devia, calar mais do que podia. Não quer se explicar quando está errado. Quer ser explicado quando está certo. Quer magoar sua mulher criticando a sogra. Quer se magoar provocando ofensas. Quer concordar para resolver depois. Quer surpreender com o número errado. Quer ter a razão quando falta o desejo. Quer jantar com calma, almoçar rápido. Quer o passado perto como um abajur. Não quer mistérios, quer segredos para contar aos amigos. O homem quer um violão para esconder suas dores. Quer sair para poder voltar. Quer conversar de noite para diminuir a culpa. Quer uma gaveta para amontoar a infância. Quer mostrar disposição quando está cansado. Quer consolar para evitar o choro. Quer sexo quando fala em amizade, quer amizade quando fala em sexo. Quer se duvidar ao extremo para se confirmar em seguida. Quer pescar para mostrar paciência. Quer o emprego do outro, o prato da outra mesa. Quer fingir que sabe o que não entende. Quer entender durante a conversa. Quer fazer sofrer o que ainda não sofreu. Quer chorar e soluça. Quer amar sem começo. Quer casar sem papel. Quer ter um confidente para não se trair. Quer rir alto sem trocar a marcha. Quer usar suas roupas até gastar. Quer ter seus lugares prediletos. Quer privacidade em banheiros públicos. Não quer ser convidado a carregar peso. Quer dançar sem comentários. Quer beber sozinho sua ressaca. Quer escutar seu nome para voltar ao papo. Quer jogar futebol para diminuir a idade. Quer se contestar quando não há dissidências. Quer a última palavra. Quer ser desejado por vaidade. Quer a fama ainda que seja mentira. Quer chegar atrasado para não ficar esperando. Quer esperar na porta para não se arrumar. Quer fingir pressa para não desabafar. Quer pular o domingo. Quer se arrepender do que não fez. Quer ser esquecido do que ser vagamente lembrado. Quer que a mãe não conte suas manias e apelidos no jantar de família. Quer iniciar o que não terminou. Quer interrogar o próprio ciúme. Quer desistir das expectativas. Quer expectativas para não desistir. Quer receber visitas na hora errada. Quer telefonar para não dizer nada. Quer amar os filhos como se fosse um filho. Quer ser pai de seu pai. Quer orar nos ouvidos do mar. Quer ser ilegível para deixar dúvidas. Quer morrer de mãos dadas. Quer viver sem trégua. Quer adivinhar sua mulher pela respiração. Quer a aparência de uma aventura. Quer disciplinar a chuva. Quer ter uma árvore para atravessar o rio. Quer transformar seu dever em direito. Quer enganar sua fome. Quer escrever para não publicar. Quer arrancar os dentes do relógio. Quer esticar o elástico da terra. Quer reservar os olhos como uma mesa. Quer ser a paisagem da cidade durante o dia. Quer dominar seus impulsos. Quer se reconhecer na neblina. Quer seguir o rio que secou. Quer se aquecer no que não tem significado. Quer se sentir inteiro ao desfazer a bagagem. Quer dobrar o sol como uma carta. Quer que a água continue seu cabelo. Quer recuar para se repartir. Quer avançar para se repetir.

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