domingo, 4 de janeiro de 2004

FOLHA DE SÃO PAULO

Deu na Folha de São Paulo, caderno Mais!, 04/01/04:



ENSAÍSTA COMENTA OS NOVOS LIVROS DE AGE DE CARVALHO, RÉGIS BONVICINO, MARCOS SISCAR, FABRÍCIO CARPINEJAR E PAULO HENRIQUES BRITTO

O perigo da afetação inteligente

Alcir Pécora

especial para a Folha


Leio cinco livros de poetas maduros, cuja produção está a pleno vapor. São de diversa procedência: Régis Bonvicino e Marcos Siscar, de São Paulo; Paulo Henriques Britto, do Rio; Fabrício Carpinejar, do Rio Grande do Sul; Age de Carvalho, de Belém, radicado há anos na Alemanha.


Começo por "Caveira 41", de Age de Carvalho. Predominam versos brancos, curtos, com muitas variações estróficas. A separação de sílabas salta à vista como procedimento privilegiado gerador de possibilidades semânticas ("res-/pira"; "de-/lira"; "inad-/missível"; "trans-/ferida") bem como os neologismos, derivados de contrações ("Unome"; "mininverno"; "novanonovo"), de flexões anômalas ("estrela-cã"; "estrela aviã") ou de abreviações heterodoxas: ("vorado por dentro"). Parte do léxico lembra ou é Rosa: "pauzama"; "claror"; "pau-em-ser". O autor também explora as derivações de expressões feitas ("para-toda-a-obra"), as enumerações ("fronteiras mercado dialetos"; "direções setas cifras"), os sinais gráficos ("//"), as justaposições prepositivas e pronominais que recortam tempo e espaço em unidades de precisão aparentemente germânica ("ante-instante"; "tempo-recém"; "Aquela-Luz"; "entre-espaço"). Aliás, além do alemão, a poesia de Age de Carvalho está apta a explorar várias línguas, do latim ao inglês. Algum preciosismo paga o custo da concisão sistemática ("lampeja estiolado em seus antros"; "grelha exfolhada da estação") assim como a confiança depositada no intertexto poético, isto é, no reconhecimento das referências culturais e poéticas associadas ao léxico. Um tema desempenhado com particular intensidade é o da descendência, que reaparece em lugares graves, como o da hora da morte do pai, dos não-ditos cristalizados ao longo do convívio, do nascimento do filho ou da ocasião em que este aprende a andar. A efetuação desses temas combina melancolia e vontade de crença, uma e outra estagnadas a meio caminho de seu ponto de saturação. Por vezes, o efeito de cifras ou cortes aplicados a tais lugares poéticos de carga altamente afetiva acaba sendo, paradoxalmente, certo sentimentalismo envergonhado, como se a matéria sentimental estivesse mesmo ali, mas se disfarçasse na construção enigmática.


O filho com febre


As figuras elípticas, contudo, não ficam restritas a esses lugares. Aplicam-se a uma simples operação de córnea, ao abandono dos óculos, a conversas banais, ao filho com febre, aos conselhos recebidos ou a um pedido de perdão. Por outro lado, algumas vezes, os poemas explicitam os nomes próprios dessas personagens. O primeiro efeito disso é o de uma espécie de separação entre um âmbito privado e outro público da poesia, sendo o primeiro desconfiado em relação ao segundo.

O poema deveria capturar uma intimidade de que o leitor, chamado a reconhecê-la, deveria entratando ausentar-se. Obviamente o segundo efeito é o de estilização, como déficit e dificuldade, da intimidade suposta. Tal estilização da experiência privada não é hegemônica no livro. Recebe, por exemplo, a contracarga de uma simbologia bíblio-apocalíptica na qual os signos de Deus e do caos comercial acentuam a incerteza do futuro, o tempo de cegos, a perda das chaves do mundo.


Assim, o patrão fala uma língua análoga à algaravia do Plutão dantesco, à entrada do quarto círculo infernal, onde são punidos os avaros e pródigos. Mas aqui não há sinal de crença na justiça dos homens ou mesmo na de um Deus ausente. Os melhores poemas do livro, assim, referem iluminações tão precárias quanto a que oferece a palavra saída num aeroporto.


À vasta exploração de recursos não discursivos de construção da frase em "Remorso do Cosmos" não corresponde nenhum tédio pelos acontecimentos históricos


Em "Remorso do Cosmos", de Régis Bonvicino, predominam os versos curtos, mas estão contrapostos a outros maiores, de número variável de sílabas, e mesmo a blocos sintagmáticos encadeados que ocupam uma página inteira. Em qualquer extensão, contudo, os versos são conduzidos pela aliteração e pelo ritmo ("crótalos para cobras"; "canalha densamente canina"), como se guizos ou alarmes acompanhassem as palavras.


Algumas vezes, as palavras são distribuídas admiravelmente por esquemas de proporção e de atribuição, não pela sintaxe da frase ("estacas para mônadas"; "atalho para alado"; "Sol para magnólia"). Outras vezes, taxonomias e descrições enumerativas se articulam às relações discursivas ("a semente é lenha, a semente é fogo, a semente é vermelha, cinza, nas terras úmidas do Pará, é estrela"). Há ainda uma prática original da tradução; por exemplo, justapondo-se linearmente um poema e sua tradução, de modo que esta não mais traduza, mas entre em fricção com a primeira língua.


Ademais, ocorre igualmente a tradução de fragmentos traduzidos ("Decantando", de Charles Bernstein) para um novo poema, de modo que a própria idéia de autoria, de um poeta ou outro, parece inaplicável. Nesse mesmo poema, obtém-se um notável efeito de recorte e rearranjo de objetos incongruentes ("um gráfico um pistão um arranjo de um jarro"), seja no espaço apontado pelo dêitico ("um grumo daqui garoupa colocando, daqui pistão"), seja na sucessão do tempo da conjugação ("eu coloquei o jarro na mesa, colocando o jarro na mesa, estava colocando o jarro na mesa").


À vasta exploração de recursos não-discursivos de construção da frase não corresponde, entretanto, nenhum tédio pelos acontecimentos históricos. Ao contrário, o alarme da língua é também uma estridência do mundo. São referidos, por exemplo, o assassinato de um manifestante antiglobalização, vazamentos de petróleo, grandes corporações etc. A estridência é, portanto, política, e produz ressonâncias por todo o livro, mesmo em ecfrases de movimentos rápidos e circunstâncias ínfimas ("um cão, de passagem, rói um osso; o gerânio brota da parede; melro corrói cabeça").


Mas o principal risco empreendido por "Remorso do Cosmos" é mesmo o emprego de palavras belas, preciosas, em geral tão imprestáveis para a poesia de invenção, quanto buscada pela poesia vulgar, decorativa. Produz-se então uma liga surpreendente entre os belos nomes das flores e os afetos de ira e temor, de modo que as novas correspondências digam respeito a um "idioma dos medos", e não dos ornatos. Código apocalíptico, pânico latente, desastre iminente cifram-se nas cores, sons e plantas ornamentais ("flores exalam medo"; "apavorada de begônia"; "crisântemo em pânico"; "o veneno de acônitos"; "folhas de sangue") bem como em todo tipo de objeto ou animal ("avelórios cortando os dedos a cada conta"; "borboletas fogem para os abrigos"; "ninho de guinchos"; "orquídeas em vigília"). Evidencia-se, pois, um cosmo em estado de belicosa calamidade ("satélites saindo de órbita"; "tateava um morteiro"; "horizonte e cápsulas"). Mesmo o ambiente doméstico é ameaçador ("serviram-me veneno à mesa") e determinado por automatismos tacanhos ("jardim de formiga"; "pegar cigarros no maço/ levar o garfo à boca/ ir e vir etc"). A rigor, toda a cena de "Remorso do Cosmos" é persecutória ("rede como radar e lâmina"), insone ("decapitava um sonho"), travada por limites rígidos e opressivos ("tentava seguir"; "tentava entender"; "entre grades"; "além do muro"). No avesso de um "locus amoenus", constrói-se minuciosamente um pavor linfático e paranóico que contamina e destrói qualquer possibilidade de epifania -linguajeira ou outra. Diálogos desconstruídos Em "Metade da Arte", de Marcos Siscar, a primeira metade do livro parece-me a mais atraente e de matriz menos reconhecível. Blocos de versos longos, com predominância do hendecassílabo, chamam a atenção como exercício poético inovador, capaz de produzir fluxos desprovidos de consciência.


Talvez seja melhor descrevê-los como diálogos desconstruídos, fragmentos de conversa apanhados ao acaso ("você me disse"; "o que você quer me dizer me diga"; "me diga o que fazer"; "não/me diga"; "me abrace não me deixe agora vá"). A exploração da polissemia inclui procedimentos de separações silábicas ("re/torno"; "com/prida"), aliterações e paronomásias ("desliza, deslinda"; "corpo parado precisa o traço, fogo da ferrugem"; "passa um infinito no meio do fim"; "infundem ferrugem ao verbo"), paralelismos e repetições ("não acredito em nada em nada/ que reluz em nada que persiste"), auto-referências ("não interprete agora marcos") e outras formas circulares, como os "loops" obtidos com o uso dos parêntesis que se fecham no início do poema para apenas se abrir no fim. A articulação sintático-semântica não é apenas discursiva: distende-se na figura da enumeração ("torce brônquio pulmão esôfago"; "gerar prender espremer gemer alegria") e se concentra na do equívoco. Por exemplo, o verso "Tudo é comum" exige uma leitura em dupla mão, isto é, a primeira, em que o sentido predominante é "tudo se passa entre nós da mesma forma" ou "somos tacitamente cúmplices no desejo", e a outra, em que o sentido ressaltado é "tudo é banal e vulgar". Esse exemplo deixa ver também uma idéia sistemática no livro: eu e você têm seus limites de aplicação balizados por nós ("faço de mim o nosso excesso artifício você"). Trata-se, pois, de uma poesia feita de não-ditos e interditos, certeiramente descrita pelo autor como "psicanálise caseira" ("como esquecer o que não foi dito?"; "há coisas de sobra que não se dizem/ há coisas que sobram no que se diz"). As frases longas, contudo, abandonam-se muitas vezes à dissipação adjetiva ("tudo fora de mim em constrangedora/ alegria"; "a colheita da hesitante fertilidade"; "ao langor eterno de psique reteve/ as mãos um instante o riso petrificado"). Frequentemente, entre o devaneio erótico e as contingências ordinárias, o poema ensaia certa reflexão afetiva e mórbida ("alguma coisa aperta dentro de mim"; "dizer que estou vivo enquanto expira o poema ainda alguma coisa de vida"), sobretudo atenta a eventos domésticos ("vaso que quebrou"; "você pula alegre sobre a água fugidia"). Obstinação regressiva Por fim, acho pertinente considerar que o limite rigoroso que a reflexão humilde suscita é o de saber parar antes das tiradas generalizantes e portanto o de resistir à sedução sentenciosa que não se contenta com metade da arte. Nem sempre isso é feito a tempo no livro, como está patente em versos como: "Este irreparável acontecimento de estar vivo"; "estar longe é o começo de estar vivo"; "entrar e sair desta vida é tarefa difícil"; "não há/ dia em que não se morra ou não se nasça". O meu palpite é que convém ao artista do ínfimo (e do sensível) fugir da sabedoria como da peste.


Obstinação regressiva


Na antologia de Carpinejar, "Caixa de Sapatos", predominam inicialmente as redondilhas menores; depois, os versos vão ficando maiores, chegando quase à fluência ou à sem-cadência da prosa. Tercetos e dísticos parecem ser as estrofes favorecidas pelo poeta. O procedimento construtivo mais evidente, tanto mais por ser muito frequente, é a antropomorfização surrealista, com inversão ou troca das operações transitivas ("as solas do sol/ pisavam os olhos"; "a roldana palitava/ a boca da cisterna/ e o pescoço da luz vestia/ o poncho do vento"; "a noite urinava").


As imagens prolíficas, asiáticas, propõem largamente a memória familiar como fonte privilegiada de poesia ("o irmão derretia/ formigas no pote de manteiga"; "lia o que lias,/ lia o que a mãe lia"). Há mesmo uma obstinação regressiva, que busca a identidade nos objetos da infância e narcisicamente se enternece pela criança que foi ("Parto em expedição às provas de que vivi./ E escavo boletins, cartas e álbuns/ -o retrocesso da minha letra ao garrancho").


Talvez pudesse dizer o mesmo de um projeto de antologia, que revisita o passado para extrair dele a melhor imagem de um processo de produção. Mas não é difícil perceber que "Caixa de Sapatos" é menos antologia que remanejamento a ensaiar uma reescritura bem determinada. Ocorre nela, por exemplo, a eliminação sistemática dos traços gauchescos presentes originalmente no livro "Um Terno de Pássaros ao Sul". Desaparecem versos como: "A farinha e a carne seca esfriam na gamela"; "a coxilha é o céu trocando de traje"; "os boiadeiros que confiam/ as esporas no lombo" etc. Toda a longa sequência de definição do pampa ("o pampa é armadura do mar... O pampa é a natureza enervada... O pampa é o barro assoviado..."), decisiva no livro original, assim como o bordão "volta ao pampa, pai", que pontua todo o poema, ficaram fora da recolha do novo livro. É o caso de perguntar: universaliza-se o gaúcho que se torna menos gaúcho? Também vale notar que, sem o apelo reiterado pela volta do pai ao pampa, a inversão final do bordão "volta ao pai, pampa" aparece na antologia com uma dupla modificação de sentido: 1) a abstração do "pampa", que se torna menos um lugar provincial conhecido do que uma alusão afetiva; 2) a abstração do "pai", que se torna menos um interlocutor afetivo ausente do que uma metáfora de origem. O mesmo processo de abstratização pode ser observado na contraposição da antologia com os poemas originais de "Terceira Sede". Por exemplo, desaparece a própria relação de objetos concretos que dava sentido à "caixa de sapatos" ("Colecionava talhos de madeira, bonecos/ adornados com a ponta miúda do canivete") para fabricá-la mais simbólica e menos objeto de uma experiência particular. A estilização, que indetermina o sujeito privado e faz símbolo de suas práticas privadas, acaba intensificando o sentencioso dos versos ("abandonar o paraíso/ a única forma/ de não esquecê-lo"; "Diminuindo o risco, reduzimos a possibilidade/ de nos libertar"; "Descobre-se um amor/ na iminência de perdê-lo"). Ao fim, a memória genérica do menino iguala a filosofice de velho ("Tornei-me o diário de uma viagem cancelada"; "Ao conversar com minha filha, às vezes me dói/ a responsabilidade de conduzir sua inocência"; "Será a fidelidade uma forma de trair?"). Talvez se possa argumentar que esse aspecto sentencioso dos versos já se encontrava nos livros originais. Certo é que a antologia o agrava.



Há desde a retomada do metro clássico até justaposições menos discursivas, sem repetição das fórmulas concretistas Em "Macau", de Paulo Henriques Britto, alexandrinos e decassílabos são esmerilhados como se fosse fácil. Está evidente o seu domínio seguro das formas fixas, a ponto de produzir esse efeito convincente de "sprezzatura", de "nonchalance", de facilidade no fazer. Tudo está metrificado e é fluente como prosa rítmica. Já no primeiro poema, as rimas finais mantêm um elaborado jogo de consonâncias com os hemistíquios. São mais frequentes as estrofes curtas: quartetos, tercinas, dísticos epigramáticos, entre outras. As simetrias racionalizam todo o campo do verso: há, por exemplo, poemas com números de estrofes iguais com número decrescente de sílabas e, em outra direção, poemas com número decrescente de estrofes e número de sílabas iguais. Os sonetos são efetuados tanto em sua forma padrão, quanto se desmembram em estrofes com outros números de versos e novas proporções entre eles. A referência metalinguística, que reflete e comenta as palavras empregadas pelo poema, é talvez a mais recorrente do livro ("cortar o mal/ pela raiz (uma imagem talvez// já meio desgastada, e no entanto,/ por mais que seja repetida a três/ por dois (maravilhas do português!/ dois números tão parcos dizer tanto"), sem que haja nisso nenhum pedantismo. Predomina o registro informal, que comporta a gíria ("pagar mico"), o calão ("esses putos") e mesmo os neologismos ("esbornia" -a forma verbal, em terceira pessoa, não o substantivo "esbórnia"). A graça está em que o plano das simetrias se apresenta com a leveza de improvisos dialogados ("Sim. Menos arquitetura/ que balística. É claro que é difícil"). No sentido contrário, um fragmento de letra de música pop torna-se mote de numerosas e ajustadíssimas variações em torno do ciclo diário, concebido como campo de batalha ("A tarde devora o dia (...) Manhã engole essa noite; a tarde lhe rasga a carótida") e retratos funestos ("O rosto da manhã/ é o rosto frio e indecifrável/ de quem contempla apático a morte/ de alguém desconhecido, rosto/ de quem, fora a licença poética, rosto não tem"). A ironia é a principal figura da composição, que invariavelmente inclui o comentário analítico e desmistificador da poesia e do seu fautor ("e dizer olha eu aqui, sou único, me amem por favor"; "essas palavras bestas estrebuchando inúteis,/ cágados com as quatro patas viradas para o ar"). O último exemplo ressalta bem alguns aspectos relevantes da poesia pensada de "Macau": a sua função fática ("dizendo algo mais que testando, testando, um dois três,// câmbio?") e a bisonhice de uma forma de vida dedicada a disciplinar bagatelas ("Sentada gloriosa à mão direita/ do nada, impondo a ordem a um pedaço/ de um mundo que a ignora por completo"). Para que essa forma de vida se instaure, não exige a gravidade dos temas, mas a quantidade de palavras, o número dos versos ("São as palavras que suportam o mundo, não os ombros (...). Portanto, meus amigos, eu insisto:/ falem sem parar. Mesmo sem assunto"). A quantidade, por sua vez, supõe certa faculdade empreendedora ou compulsiva ("uma pressão/ que vem de dentro, e incomoda. No fundo/ é só isso que importa"), irredutível à vontade própria ("o alpiste acre-doce da (com perdão/ da péssima palavra) inspiração"), que, no entanto, tem de ser ordenada.


Tradição minimalista


Ora, um programa poético que propõe a ordenação formal de uma matéria basicamente precária demanda sobretudo rigor artístico (o "labor limae" horaciano) no trato da inspiração ("O resto é o resto./ E no entanto nesse resto está o múnus/ público da coisa vá lá o termo-/ o que dá trabalho, o que impõe um custo") - rigor metódico, ainda que contingente ("É preciso que haja uma estrutura,/ uma coisa sólida, consistente,/ artificial, capaz de ficar/ sozinha em pé"). No último exemplo, o termo "artificial", entenda-se, refere o efeito da técnica, e não o artificialismo espalhafatoso ("sem que exploda// na mão, igual a um fogo de artifício/ que deu chabu").


A forma de vida bisonha dessa poesia é, pois, antes de mais nada, uma apologia da tradição minimalista e da conformação aos limites ("senhor de todo o espaço e o tempo,/ munido só de pão e água/ e, sem precisar de mais nada; que é o que a coisa acaba sendo e tendo sido/ desde o começo. Como sempre. Como tudo").


Não é minha intenção transformar essa leitura de cinco livros particulares num balanço da poesia brasileira contemporânea. Como disse, são obras de autores experientes, que estão bem acima da média nacional. Fico apenas com o propósito de uma leitura atenta, que se esforça para dar a cada um a parte que lhe é devida.


O conjunto, em todo caso, deixa ver experiências significativas de construção rítmica, desde a retomada do metro clássico até as justaposições menos discursivas, sem repetição das fórmulas concretistas. Deixa ver também, infelizmente, o seu Cila e Caribdes: a estilização da experiência privada numa sentenciosidade genérica e a superfatura da erudição como valor agregado às palavras isoladas. Troco os monstros para simplificar a imagem: o perigo está em dar ouvidos às sereias da sabedoria e da cultura, vale dizer, em submeter a poesia à afetação inteligente.



* Alcir Pécora é professor de literatura na Universidade Estadual de Campinas e autor de "Teatro do Sacramento" (Edusp/Editora da Unicamp) e "Rudimentos da Vida Coletiva" (ficção, Ateliê Editorial).

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