quarta-feira, 7 de janeiro de 2004

BREVE QUARTO

A partir de uma aquarela de Elizabeth Bishop


Fabrício Carpinejar


Um quarto vesgo,

flutuante, vago.

Porão de lembranças

mais vistas quando guardadas.

Vagas demoradas na escotilha,

rápidas em sua lentidão de mover a superfície.


Arrumo meu abandono

ao próximo hóspede.


Não moro em nenhum lugar

que não seja o susto

de perder uma relíquia, um amor, o desastre.


Há coisas que não aprendem a ficar

mesmo com a insistência das cinzas.

As malas ao lado da cama

sempre derradeiras

em selecionar o que basta na pele.

As roupas imprecisas ao tato,

escassas no excesso.

O ventilador, as cortinas pretas, as flores brancas,

tudo é orvalho silente, brevidade ardente,

escândalo do silêncio.


O navio está incendiando

e ninguém me avisa,

muito menos

o meu corpo.

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