domingo, 18 de janeiro de 2004

MINHA SANTA

Da série Minha infância não atravessa a rua sozinha




Uma mulher sempre tirava as sandálias para entrar na igreja. Chegava às 6h30 para as rezas em grupo. Molhava seu rosto na bacia de água benta, não se contentando com uma simples menção e gota na testa. Ela era jovem e com um véu negro, de roupas simples e despojadas, com um interior e segredos intactos. Nenhuma santa era tão bonita como ela. Eu deixei de olhar as estátuas para ir à igreja e detalhar seus pés. Minha mãe estranhava minha assiduidade na missa. Pensava que seria padre. Os pés dela se espalhavam com delicadeza, trigo que não perde a pose depois de colhido. Macios, amornados de córregos. Pés que não ferem o espaço, altar de unhas, como uma boca entreaberta.

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