segunda-feira, 29 de dezembro de 2003

DE MÃO TROCADA

A mão com que escrevo trai a calada que ampara o caderno. A direita dirige; a esquerda diz a direção do sangue. A direita bate o tambor do cigarro; a esquerda cuida das sobras. A direita fecha a porta; a esquerda abre as janelas. A direita é vinho branco; a esquerda, vinho tinto. A direita é a primeira a acordar; a esquerda, a primeira a dormir. A direita abandona a casa; a esquerda faz horta nos calos da mala. A direita é vista em excesso; a esquerda lava as costas da destra, esfrega o piso das unhas. A mão direita mata; a esquerda confessa o crime. A direita promete; a esquerda cumpre o casamento. A direita entoa fardos do fardo vivido pela esquerda. A mão direita passa a limpo os bilhetes e telefones anotados na esquerda. A direita seduz; a esquerda resvala na despedida. A direita aparta estranhos; a esquerda convida amigos. A direita ofende; a esquerda elogia. A direita sofre de insônia; a esquerda acalma o pesadelo. A direita corta os pulsos da esquerda, mas só a direita pode fechar a gaiola das veias.

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