sexta-feira, 26 de dezembro de 2003

QUERO-QUERO

Mariana, minha filhota, está de aniversário. Dez anos. Ela se entrega em risos nas fotos. É uma doação inteira. Ela encabula a máquina fotográfica com tamanha alegria. Quando ela tinha três anos, passamos por um dos perigos de sua infância. Passeávamos no Grêmio Náutico União, no bairro Petrópolis (POA). Havíamos dado comida aos peixes, como todas as manhãs. Atalhamos o caminho pela grama alta. Uma legião de quero-quero nos estranhou e pensei que fosse apenas mau humor passageiro. O quero-quero tem uma postura marcial, metálica, com penacho de milico. Continuei avançando, de mãos dadas com os passos miúdos dela. Ao lado de uma criança, a gente troca nossos passos pela metade deles. Dia de ventaneira, o vento podia trançar a si mesmo. Como balanços se enrolando em voltas e giros. Mariana observava o céu, indiferente aos gritos histéricos dos pássaros. Em um movimento inesperado, três quero-queros começaram a sobrevoar nossas cabeças. Um linchamento de patas. Tomei a Mariana no colo e a protegi com meu corpo. Um dos bichanos puxou com fúria minha folgada bermuda, que ficou como pano abandonado no local. Corri de cuecas no descampado, com as aves atazanando os olhos, roendo em rasantes os fios dos cabelos. Voltei para a casa com as roupas mínimas. Atravessei oito quadras assim. Mariana, percebendo meu nervosismo, apenas tocava no meu rosto e imitava minhas palavras depois de algum pesadelo: - Passou, passou, passou.

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