terça-feira, 23 de dezembro de 2003

OUTRA IDADE

Poema de Fabrício Carpinejar

Desenho de Mariana


Entendo a metade das frases

e adivinho o resto.

O homem nunca é pedra.

O homem nunca é perda.

Era um Natal chuvoso.

Esfregava o vidro

como quem termina uma carta.

O rio encostava na parede

para se ouvir.

A memória guarda o essencial

e elimina as datas.

A memória não decora sua rua.

Arrumamos a mesa.

Colocamos velas e nozes.

Provocamos o fogo

como quem amola facas.

Cantamos a noite inteira.

Se faço silêncio hoje,

ainda escuto o trincar

dos copos, dos dentes,

a gritaria dispersa,

o abraço sem fechar o pouso, o pouco.

Improvisava o que eu seria.

Minhas roupas viveram demais

para voltar ao meu corpo.



(Revista Vida Simples, dezembro de 2003)

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