quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

3/24/2004 10:08:19 AM

ALINE


Eu nunca mais dormi tranqüilo desde que me falaste que eu roncava. Minha respiração era um latido que se agravou em uivo com a idade. Não sei mais suspirar ou bocejar. Não sei mais os movimentos lentos de quem sobe a escada para despertar. Antes, conseguias me silenciar me empurrando ao lado. Eu só uivava dormindo para cima. Depois, não importava a posição, passei a atazanar teus ouvidos. Passei a me sentir culpado durante os sonhos, a culpa converteu os sonhos em pesadelos, os pesadelos a atender desejos curvos e lancinantes do som. Levantava em sobressalto como quem não se cura de um crime. Eu, na verdade, não tenho responsabilidade, o que não me alivia em nada. Tanto zelei para ser educado, cordato, gentil contigo, não palitar os dentes em tua frente, não cuspir a gripe na rua, não ficar arrotando ou fazendo qualquer grosseria que te ameaçasse e, de repente, sou enganado pela minha natureza e um lado selvagem e indômito toma conta do sopro e da saliva. Talvez o ronco seja o apelo desesperado da asma, chaveada durante anos. Talvez seja a forma de minha asma gritar tentando te acordar para libertá-la. A asma quase matou minha infância e agora meu casamento. Meu pulmão envelheceu mais rápido do que meu rosto. Eu costumava cochilar no ônibus enquanto voltava do trabalho. Deixei de fazer isso com medo de babar e buzinar aos estranhos. Algo realmente me perturba, aqui nessa cama estreita, nesse coma, sem tua solidão para me adubar de sol. Eu apenas queria saber isso: será que estou roncando?


Com amor,

Fernando

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