quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

5/21/2005 11:05:40 AM

PEQUENOS FURTOS

Gravura de Paul Klee


Fabrício Carpinejar





Existem pequenos furtos facilmente tolerados. Não estou me referindo aos sentimentos roubados, que são os piores crimes. Furtos leves que viram gracejos. Não entendo o motivo, mas são vistos como brincadeiras. O que faz alguém com posses, responsabilidade e educação furtar um cinzeiro de um restaurante? Botar na bolsa ou bolso o objeto com a despretensão de quem assoa o nariz. Sair com a impunidade de um sol de domingo. E não se coçar de culpa. Pois tenho uma parente bem resolvida, que transportou o cinzeiro, o paliteiro e o saleiro do restaurante. Ainda deixa a trinca roubada com nome e endereço do lugar em cima da mesa da cozinha, exibindo o troféu às visitas. Pode? Já fiquei com vontade de desfalcar a jarra do azeite para minha familiar completar a coleção. No momento da fuga, desisto. Consigo unicamente roubar de mim, nunca dos outros. Faço um olhar suspeito que até as lagartixas estranham. Sinto-me anti-social, excluído da estratégia adotada pelos grandes círculos. Visitava um amigo no interior de São Paulo e o que reparo na escrivaninha: um cinzeiro de restaurante de Porto Alegre. Sem comentários. Isso que ele nem fuma. Será que é falta de educação sair de um lugar sem levar nada? Acho que preciso me acostumar à moda. Essa pequena transgressão deve trazer charme às vidas regradas, comportadas, de guardanapo nos joelhos. É um sinal de desobediência civil ou de indulgência intelectual. Hotel é a principal vítima dessa modalidade de desaparecimento. Claro que o hóspede responderá ao fechar a conta: "consumi apenas água". Não falará que carregou o xampu, os sabonetes, as toalhas e, se perigar, o lençol do quarto, todos comprimidos na mala. Isso acontece porque não estamos em casa de amigos? Por que ninguém nos enxerga? Assusta-me o que se pode fazer quando não se é visto. A atitude é uma travessura ou uma necessidade? A desculpa para os desaparecimentos é uma só, a de querer uma lembrança do local. Pelo jeito, já não basta imã de geladeira, porém se deseja a geladeira. Testemunhei loja em incêndio, onde transeuntes exploravam o estabelecimento para abraçar o que pudessem encontrar pela frente. Gente de gravata e maleta, que corria como um indigente faminto para tirar vantagem da situação. Esses furtos invisíveis formam uma corrente, uma seita. Do avião, pega-se o cobertor. Do ônibus, belisca-se o travesseiro. Se fosse possível, transportava-se as cadeiras dobráveis do cinema. Não me interessa julgar, porém esses furtos devem ser perdoados. Não perdôo quem carrega chinelos de motéis. Aqueles patos desengonçados, ridículos, desconfortáveis. Tudo tem limite. Levar chinelo de motel é a decadência.

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